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Doença Trofoblástica Gestacional: definição, epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento | Colunistas

Doença Trofoblástica Gestacional: definição, epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento | Colunistas

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Definição

A Doença trofoblástica gestacional (DTG) pode ser definida como uma anomalia de gravidez caracterizada pela proliferação anormal do tecido trofoblástico da placenta. A doença é classificada de forma benigna, representada pela mola hidatiforme completa (MHC) e parcial (MHP), e de forma maligna, representada pela mola invasora, coriocarcinoma, tumor trofoblástico do sítio placentário e tumor trofoblástico epitelioide.

Epidemiologia e fatores de risco

Na mola hidatiforme, conhecida como gestação molar, estima-se que ocorra em 1:200-400 gestações no Brasil, cerca de 5 a 10 vezes mais frequente que na América do Norte e Europa. Em relação aos fatores de risco, a idade materna avançada apresenta como um fator de 2 a 10 vezes maior de desenvolver esta doença se comparadas com mulheres jovens. Contudo, pelo fato da maioria das gravidezes ocorrerem em mulheres mais jovens, a maior parte das MH ocorre em gestantes entre 20-30 anos. No caso de MHP, a idade materna não se encontra associada ao risco de desenvolver a doença, diferentemente da história pregressa de abortamento espontâneo ou infertilidade. Além disso é importante ressaltar que caso de gravidez molar anterior, histórico de abortamento anterior e o tempo de uso de [MOU1] anticoncepcionais orais, são fatores influenciáveis para a ocorrência de uma nova MH em gravidez subsequente.

Gestação Molar Hidatiforme (MH)

A gestação molar hidatiforme está associada a anormalidades placentárias estruturais e defeitos no desenvolvimento fetal, histologicamente representam anormalidades nas vilosidades coriónicas (proliferação trofoblástica e edema do estroma viloso).

Existem dois tipos de gestações molares: a mola hidatiforme completa e a mola hidatiforme parcial, em que as duas podem progredir para uma neoplasia trofoblástica gestacional metastática ou não metastática.

  • Mola hidatiforme completa: na maioria das vezes são diploides, em que grande parte dos casos o material genético deriva do pai. Não há feto ou âmnio. Em vista macroscópica aparentam como tamanhos variados de vesículas translúcidas. Histologicamente, observamos degeneração hidrópica, edema viloso acentuado e generalizado, ausência de embrião, hiperplasia trofoblástica difusa e intensa. A mola completa tem maior potencial maligno do que a incompleta.
“Espécime patológico das vesículas numa paciente com mola hidatiforme completa. (Cortesia de Jonathan Carter, Dr., University of Sydney, Sidney, Austrália.)” Fonte: W. CALLEN,  Peter . Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Tradução Maurício Saito. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
  • Mola hidatiforme parcial: são quase sempre triploides, com o adicional de material genético também derivado da mãe, sendo dois conjuntos genéticos haploides paternos e um conjunto haploide materno. Está associada a um menor grau de hiperplasia trofoblástica e a um maior grau de desenvolvimento fetal. Podemos observar contornos denteados, vilos coriônicos de tamanhos variados com dilatação e uma progressão de forma lenta de um edema no estroma das vilosidades coriônicas caracteristicamente avasculares, possibilitando atipia suave do sítio de implantação trofoblástica.
“Mola hidatiforme parcial.” Fonte: Braga A, Sun SY, Maestá I, Uberti E. Doença trofoblástica gestacional. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018. (Protocolo Febrasgo – Obstetrícia, nº 23/Comissão Nacional Especializada em Doença Trofoblástica Gestacional).

Manifestações clínicas da MH

Na forma clínica de apresentação usamos achados laboratoriais e no prognóstico.

Na mola completa normalmente há mais sangramento genital (84%), aumento do volume uterino (50%) e elevadas concentrações de beta-hCG. E na mola parcial tende a apresentar sinais de abortamento retido ou incompleto, sem aumento significativo do volume uterino e níveis do beta-hCG não muito elevados. Alguns sintomas já conhecidos na gravidez também podem se apresentar, como o aumento mamário, sono, náusea e vômito.

Diagnóstico da MH

Para o diagnóstico baseia-se no quadro clínico da paciente, teste positivo para gravidez, US e exames histopatológicos. É feito a anamnese e exame físico, observa se há presença de sangramento irregular e amenorreia, faz-se o exame de Beta-hCG sérico, se o resultado for alto, deve ser pedido uma USG, podendo estar ausente ou não, dessa forma é proposto um provável diagnóstico. Com esse diagnóstico, pede-se uma análise histológica do material, como exame complementar, para finalmente poder confirmar o diagnóstico definitivo.

Tratamento da MH

Quando já se há suspeita na USG, a evacuação uterina ou aspiração manual intrauterina (AMIU) são feitas como conduta inicial pelo fato que a gestação não será mantida. Após o procedimento e confirmação do diagnóstico, as pacientes devem ser acompanhadas com dosagem semanal do beta-hCG para a detecção precoce de NTGp. Aconselha-se que faça uso de ACO até que os níveis de hCG tenham claramente voltado à normalidade, para impedir a ovulação pelo período de 1 ano. Caso os níveis de Beta-hCG não tenham entrado em normalidade é preciso fazer uma investigação de NTG.

Neoplasia Trofoblástica Gestacional (NTG)

São tumores que fazem invasão miometrial e tem um grande potencial para metástase.

  • Mola invasora: normalmente são seguidas de molas parciais ou completas. São caracterizadas pela penetração de vilos molares no miométrio ou na vasculatura uterina. Não possuem alto potencial de metástase ampla. Podem também desenvolver grandes chances de a paciente apresentar hemorragias na cavidade abdominal ou pélvica.
“Mola invasiva. Fotografia macroscópica de um espécime de histerectomia contendo uma mola invasiva. A cavidade uterina é preenchida por vesículas (seta fina), com invasão miometrial multifocal (uma área apontada pela seta mais espessa).” Fonte: W. CALLEN,  Peter . Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Tradução Maurício Saito. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
  • Coriocarcinoma (CC):  é uma neoplasia maligna caracterizada por uma massa de crescimento acelerado havendo invasão vascular precoce e metástases generalizadas, causando necrose.  O CC uterino aparece como um sangramento transvaginal. Pode haver sítios de implantação, devido a afinidade das células trofoblásticas com os vasos sanguíneos, principalmente pulmão e vagina, mas também pode acometer vulva, rins, ovários, fígado e cérebro. Há presença de cistos tecaluteínicos.
“Coriocarcinoma. A. Coriocarcinoma apresentando-se como uma massa hemorrágica volumosa invadindo a parede uterina. B. Fotomicrografia do coriocarcinoma ilustrando tanto o citotrofoblasto quanto o sinciciotrofoblasto neoplásico. (Cortesia do Dr. David R. Genest, Brigham and Women’s Hospital, Boston, MA. Reproduzido com a permissão de Crum CP: The female genital tract. In: Kumar V, Robbins SL, Cotran RS {eds.}: Pathologic Basis of Disease, 7th ed. Philadelphia, WB Saunders, 2005. Copyright 2.005 Saunders, uma impressão da Elsevier.)”  Fonte: W. CALLEN,  Peter . Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Tradução Maurício Saito. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
  • Tumor trofoblástico do sítio placentário (TTSP): origina-se por células trofoblásticas intermediárias persistentes após a gestação. Um sintoma muito presente é a amenorreia ou sangramento vaginal irregular, ocorrendo depois de muitos meses ou mesmo anos após a última gestação, podendo ter origem de gestação MH mas também de gestações não molares. O TTSP pode se estender para os órgãos como o ovário, paramétrio, reto e bexiga. Apresenta um menor potencial de metastatizar, podendo então ser tratado com cirurgia.
“Tumor trofoblástico do sítio placentário. A. Tumor trofoblástico do sítio placentário apresentando-se como uma massa discreta no miométrio. B. Histologia do tumor trofoblástico do sítio placentário. (Cortesia do Or. Bradley J. Quade, Brigham and Women’s Hospital, Boston, MA. Reproduzido com a permissão de Crum CP: The female genital tract. In : Kumar V, Robbins SL, Cotran RS !eds.]: Pathologic Basis of Oisease, 7th ed. Philadelphia, WB Saunders, 2005. Copyright ‘” 2005 Saunders, uma impressão da Elsevier. )” Fonte: W. CALLEN,  Peter . Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Tradução Maurício Saito. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
  • Tumor trofoblástico do tipo epitelióide (TTE): é o tipo mais raro de tumor trofoblástico. Também é composto de trofoblasto intermediário do tipo coriônico. Uma característica que difere do tumor anterior são suas células menores e menor pleomorfismo nuclear. Normalmente apresenta-se após um intervalo grande desde a última gravidez (mais ou menos 6 e 7 anos). As manifestações e tratamento são similares aos do TTSP.
“Tumor trofoblástico epitelioide.” Fonte: Braga A, Sun SY, Maestá I, Uberti E. Doença trofoblástica gestacional. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018. (Protocolo Febrasgo – Obstetrícia, nº 23/Comissão Nacional Especializada em Doença Trofoblástica Gestacional).

Manifestações clínicas da NTG

As manifestações que se pode encontrar são metástases em sítios próximos, subinvolução uterina e sangramento irregular podendo ser contínuo ou intermitente, a qual pode causar hemorragia súbita.

Diagnóstico da NTG

Em caso de achado clínico de sangramento persistente e irregular em qualquer paciente após uma gestação, é feito primordialmente a dosagem sérica de β-hCG, se os resultados mostram β-hCG alto, tem-se o diagnóstico provável de NTG, com isso realiza-se a análise histológica do material e obtém, portanto, uma confirmação do diagnóstico definitivo.

 Tratamento da NTG

Antes de iniciar o tratamento da NTG é necessário que se faça um estadiamento da doença, classificando a paciente dentro dos grupos de baixo e alto risco para tratamento com quimioterápicos. Valores até 6 caracterizam doença de baixo risco, portanto usa-se agentes monoterápicos, como MTX e ACTD, e valores que são iguais ou maiores a 7 caracterizam doenças de alto risco, fazendo então um esquema quimioterápico, como EMA-CO e EP-MA.

Autora : Daiane Amaral Freitas – @daiane_freitaas_

Sugestão de leitura complementar

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

Braga A, Sun SY, Maestá I, Uberti E. Doença trofoblástica gestacional. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018. (Protocolo Febrasgo – Obstetrícia, nº 23/Comissão Nacional Especializada em Doença Trofoblástica Gestacional).

W. CALLEN,  Peter . Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Tradução Maurício Saito. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

Antônio Braga,* Bruna Obeica, Valéria Moraes, Evelise P. da Silva, Joffre Amim-Junior, Jorge Rezende-Filho. Doença trofoblástica gestacional – atualização. Revista HUP. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: file:///D:/Users/Admin/Downloads/12124-43698-1-PB.pdf. Acesso em: 10 mai. 2021.

FIGO Oncology Committee. FIGO staging for gestational trophoblastic neoplasia 2000. FIGO Oncology Committee. Int J Gynaecol Obstet. 2002;77(3):285-7.(22

Obstetrícia – Williams. 23ª ed. 2012.