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A obstrução da via aérea por corpo estranho (OVACE) é um acidente grave, súbito e potencialmente fatal, cuja gravidade depende principalmente do grau de obstrução da via aérea acometida.
Caso ocorra uma obstrução total ou subtotal da via respiratória, especialmente de laringe ou traqueia, a asfixia pode se tornar tão importante, que rapidamente leva ao óbito. Todavia, menores graus de obstrução ou a aspiração de objetos menores, com impactação nas regiões mais distais da árvore brônquica geralmente provocam sintomas mais brandos.
Diante de um paciente com OVACE, torna-se muito importante o rápido reconhecimento diagnóstico, uma vez que em todos os casos, o atendimento deve ser preciso, ágil e com calma a fim de recuperar a permeabilidade aérea o mais breve possível.
A OVACE pode ocorrer em qualquer fase da vida, porém é um diagnóstico muito mais frequente em crianças e idosos. Nos primeiros, pela curiosidade e reflexo de levar tudo à boca, por desconhecer riscos e nos idosos, muitas vezes decorre de um processo mastigatório ineficiente pelo uso de próteses dentárias inadequadas.
Já em adultos, a OVACE é rara, sendo relacionada à ingestão acidental de instrumentos de trabalho, como clipes, tachinhas e pregos (pequenos objetos do cotidiano facilmente apreendido entre os dentes) e durante momentos de inconsciência — anestesia geral, sedação, intoxicação, convulsões e distúrbios neurológicos que afetam a orofaringe.
Epidemiologia
No Brasil, a OVACE é a terceira maior causa de acidentes seguidos por morte, em crianças e lactentes.
Cerca de 80% dos casos de OVACE ocorrem em crianças, com um pico de incidência entre 1 e 3 anos. Nessa faixa etária, as crianças exploram o mundo através da via oral (possuem coordenação motora fina para colocar quaisquer pequenos objetos na boca), além de não possuírem dentição completa e consequentemente, não mastigarem os alimentos de forma completa.
A distribuição dos casos é discretamente maior em meninos do que em meninas, numa proporção de 2:1.
Estudos mostram que em 40% das ocorrências, envolvendo OVACE na faixa etária pediátrica, o objeto aspirado é uma semente, principalmente amendoim, milho e feijão. No entanto, fragmentos de brinquedos e acessórios também são relatados. A aspiração de bexigas e balões vazios é grave e muitas vezes fatal.
Classificação
OVACE pode ser classificado de acordo com a etiologia, pela gravidade (proporcional ao grau de obstrução) e pela responsividade do paciente:
Etiologia
Podem ser:
- Causas intrínsecas, como obstrução das vias aéreas por queda da base da língua, num trauma;
- Causas extrínsecas, como aspiração de corpo estranho, alimentos e outros objetos.
Gravidade:
O quadro do paciente pode ser:
- Leve (grau de obstrução parcial da via): nesse caso, existe passagem de ar, ainda que dificultosa e a vítima é capaz de tossir. Enquanto houver uma troca gasosa satisfatória, o paciente se manterá consciente. Nesse caso, o socorrista deve encorajar a vítima a persistir na tosse espontânea e nos esforços respiratórios, pois o esforço secundário à tosse, promoverá a saída de ar dos pulmões, estimulando a expulsão do objeto que está causando a obstrução.
- Grave (grau de obstrução total da via): os sinais desse cenário incluem a incapacidade de respirar, tossir e falar, com evolução para cianose de lábios e extremidades, o que indica ausência de trocas gasosas e hipóxia tecidual periférica. Nesse caso, o socorrista precisa ser ágil e observar que a vítima pode fazer o sinal universal da asfixia (segurando o pescoço com uma ou ambas as mãos) ou apenas apontar com as mãos voltadas para o pescoço, indicando que está engasgada e precisa de ajuda.
Responsividade:
- Consciente: o paciente mostra-se agitado e angustiado, ansioso por uma intervenção de alívio.
- Inconsciente: diante da progressão do quadro, o paciente em hipoxemia perde a consciência e torna-se irresponsivo.
Quadro clínico
A apresentação clínica de pacientes com OVACE é muito variável e depende principalmente do grau de obstrução da via aérea. Alguns fatores que influenciam a manifestação clínica, são: o fato de o evento ter sido testemunhado, a idade do paciente, o tipo de material aspirado, o tempo decorrido desde o acidente e a localização do objeto.
O atraso no diagnóstico de OVACE, e consequentemente no seu tratamento, acarreta maiores complicações.
Diante de quadros pouco exuberantes, sem sintomatologia clássica, deve-se observar que na presença de uma história de engasgo e sintomas sugestivos posteriores, a OVACE deve ser presumida, independentemente dos achados na radiografia de tórax.
Diagnóstico
A broncoscopia deve ser realizada em todos os casos de suspeita de OVACE, com o paciente estável. Este procedimento é considerado padrão-ouro no diagnóstico e tratamento da obstrução.
A radiografia de tórax deve ser realizada sempre que possível, com especial atenção para áreas de hiperinsuflação decorrentes de aprisionamento aéreo, atelectasias lobares ou segmentares, desvio de mediastino, pneumomediastino, pneumotórax e enfisema subcutâneo.
Apesar disso, o diagnóstico de OVACE apenas é estabelecido com radiografias simples quando o objeto é radiopaco e uma radiografia normal não exclui a presença de OVACE em via aérea.
Manejo
O socorrista, diante de uma suspeita de OVACE, deve instaurar medidas terapêuticas compatíveis com o caso.
- Obstrução grave das vias aéreas em vítima consciente: em maiores de 1 ano, deve-se utilizar a manobra de Heimlich. Esta manobra gera um impulso abdominal que eleva o diafragma e aumenta a pressão na via aérea, forçando a saída de ar dos pulmões, com pressão suficiente para criar uma tosse artificial e expelir um corpo estranho. Em menores de 1 ano, o socorrista deve iniciar as manobras com cinco golpes nas costas e cinco compressões torácicas, até que ocorram sinais de desobstrução (choro ou tosse efetiva) ou o paciente fique inconsciente.

FONTE: google imagens
- Vítima gestante ou obesa: devem ser aplicadas compressões torácicas, ao invés de compressões abdominais. Se a vítima for menor que o socorrista, o mesmo deve posicionar-se de joelhos atrás da vítima e realizar a manobra de Heimlich.

FONTE: Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar – 2019
- Vítima adulta e inconsciente com OVACE: o socorrista deve apoiar a vítima cuidadosamente no chão e imediatamente ativar o serviço médico de emergência e, em seguida, iniciar a RCP. Cada vez que o socorrista abrir as vias aéreas para realizar as ventilações, o mesmo deverá olhar para o interior da cavidade oral; se o corpo estranho estiver visível, deverá ser removido cuidadosamente, evitando varredura digital às cegas e não retardando as manobras de RCP.
Mapa mental de OVACE

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Referências
- ABC Cardiol. Journal of Brazilian Society of Cardiology. Sociedade Brasileira de Cardiologia – ISSN-0066-782X. Volume 113, nº 3 – Setembro/2019. Disponível em: http://publicacoes.cardiol.br/portal/abc/portugues/2019/v11303/pdf/edicao/289/
- Corpo estranho em via aérea – Artigo original. Disponível em: http://www.sopterj.com.br/wp-content/themes/_sopterj_redesign_2017/_revista/2011/n_02/10.pdf
- MARTINS, Herlon Saraiva; BRANDÃO NETO, Rodrigo Antonio; VELASCO, Irineu Tadeu. Medicina de emergência: abordagem prática. [S.l: s.n.], 2016.
- COMITÊ DE TRAUMA DO COLÉGIO AMERICANO DE CIRURGIÕES; Advanced Trauma Life Suport (ATLS), 9ª Ed 2014. MARTINS, H. S.; DAMASCENO, M. C. T.; AWADA, S. Pronto Socorro: Medicina de emergência; 3ª Ed. São Paulo: Manole, 2012.