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Pancreatite crônica: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Pancreatite crônica: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

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Confira o resumo completo sobre pancreatite crônica, uma condição clínica que todo médico precisa conhecer e dominar o tratamento!

A pancreatite crônica (PC), como o nome sugere, é um processo inflamatório progressivo e crônico em que há destruição irreversível do parênquima pancreático. 

Essa destruição tem como consequências a produção de alterações estruturais do pâncreas, podendo estar associada à dor crônica incapacitante, além do comprometimento da função endócrina e exócrina.

Embora a pancreatite seja um processo inflamatório, é importante destacar que nem sempre a pancreatite crônica está precedida de inflamação aguda em si.

A pancreatite é uma das principais causas de má absorção intestinal, pode provocar alterações portais, fenômenos reacionais ao estado inflamatório, colestase e uma série de outras condições.

Por isso, é importante que todo médico e estudante de medicina saiba reconhecer e manejar quadros de pancreatite crônica. Pensando nisso, preparamos um resumo completo para você.

Classificação e Epidemiologia

Conforme dados de epidemiologia internacional, a incidência de pancreatite crônica varia de 5 a 12 por 100.000 com uma prevalência de aproximadamente 50/100.000 pessoas, mas esses são números limitados.

Contudo, é conhecido que existem diferenças regionais na prevalência de pancreatite crônica por etiologia. A pancreatite relacionada ao álcool é mais comum no Ocidente e no Japão, em comparação com outros países asiáticos. 

A gravidade do quadro pode permitir a classificação dessa doença em discreta, moderada ou grave, e é avaliada conforme a extensão das lesões provocadas pela cronificação inflamatória.

A ingestão de álcool é o principal fator de risco ao seu desenvolvimento e sua ação é dose e tempo dependente. O álcool está associado a aproximadamente metade de todos os casos de pancreatite crônica nos Estados Unidos. 

O tabagismo é responsável por aproximadamente 25 % do risco atribuível de pancreatite crônica e funciona sinergicamente de forma dose-dependente com o álcool para danificar o pâncreas. 

Os avanços no conhecimento da etiologia da PC permitiram desenvolver o sistema de classificação TIGAR-O. 

Fatores de risco

Os fatores de risco e etiológicos definidos por este sistema de classificação: 

  • (T)óxica-Metabólica: São incluídas as PC causadas álcool, tabaco, hiperlipidemia, hipercalcemia, insuficiência renal crónica, toxinas e medicação;
  • (I)diopática: Pode se apresentar de forma bimodal. O primeiro pico ocorre por volta dos 20 anos, apresentando dor como principal característica. 
    • O segundo pico, ou de início tardio, ocorre por volta dos 56 anos, com elevada frequência de calcificações e de insuficiência endócrina e exócrina, sendo pouco frequente a dor. 
  • (G)enética ou Hereditária: Herança autossômica dominante (mutações nos genes PRSSI, CFTR ou SPINKI), contudo a penetrância não é total; cerca de 80% dos indivíduos que nascem com o gene mutante desenvolvem a doença. 
  • (A)utoimune: A característica histológica predominante é a infiltração linfocitária, designadamente de Linfócitos TCD4+;
  • (P)ancreatite Aguda Recorrente Severa: Existe associação entre a hipertrigliceridemia (>500mg/dL) e a pancreatite aguda recorrente bem estabelecida. 
  • (O)bstrutiva: Pancreatite de origem calculosa que conduz à lesão da célula acinar, sendo desencadeada pela obstrução do fluxo a partir do Wirsung, além de pâncreas divisum e obstrução tumoral ductal. 

Embora a principal etiologia da pancreatite crônica seja o alcoolismo, existem outras etiologias possíveis. São elas:

  • Pancreatite eosinofílica;
  • Tropical;
  • Pancreatite autoimune;

As pancreatites autoimunes são diferenciadas por meio de categorias clínicas e histológicas. Abaixo incluímos uma tabela para te ajudar nessa diferenciação.

Tabela

Descrição gerada automaticamente
Fonte: Bogliolo, 10ed, 2021.

Fisiopatologia da pancreatite

O estudo dos mecanismos da doença é limitado. No entanto, independente da etiologia subjacente, parece haver uma via comum de um insulto inicial com lesão, seguido por uma tentativa de cura por meio de fibrose e regeneração. 

Por isso, todas as causas da pancreatite crônica acabam produzindo características semelhantes, incluindo perda e lesão de células acinares, ilhotas e ductais, com fibrose e perda da função pancreática.  

Na etiologia alcoólica, por exemplo, acredita-se que o álcool modifica a constituição do suco pancreático tornando-o bastante proteico. As proteínas obstruem os ductos pancreáticos e ativam enzimas que causam a inflamação do órgão. 

Muitos pacientes apresentam mutações genéticas e polimorfismos subjacentes que aumentam o risco de progressão da doença. 

O mecanismo de lesão pancreática varia dependendo da mutação, mas pode ser agrupado da seguinte forma:

  • Mutações que causam lesão por meio da ativação da tripsina;
  • Mutações que causam lesão por dobramento incorreto de proteínas e estresse do retículo endoplasmático, estresse oxidativo e lesão pancreática por meio da sinalização de cálcio alterada.

Quadro clínico da pancreatite crônica

A dor abdominal é o sintoma mais comum na pancreatite crônica. Mais comum dor pós-prandial, que se apresenta ou piora 15 a 30 minutos após a alimentação, sentida na região epigástrica e frequentemente irradia para as costas. 

A dor na pancreatite se associa comumente com náusea, vômitos e anorexia, o que torna necessário avaliar se o paciente está desidratado ou não. 

Esse quadro álgico abdominal tende-se a se manifestar em faixa horizontal, ser contínuo ou de menor intensidade, acompanhada por febre baixa.

Os pacientes podem sentir dor constante de gravidade variável com exacerbações periódicas ou dor intensa e implacável contínua. Conforme a pancreatite crônica progride, os níveis de amilase ou lipase podem não ser elevados com crises de dor. 

Insuficiência pancreática

Além da dor, o quadro clínico inclui a insuficiência pancreática que se manifesta geralmente numa insuficiência exócrina, fazendo com que a deficiência de insulina só seja percebida tardiamente.

A má digestão de gordura pela insuficiência pancreática produz esteatorreia e os pacientes podem notar fezes oleosas ou flutuantes, mas podem não ter diarreia. 

Pode ocorrer perda de peso, especialmente se a dor também limitar a ingestão oral. 

Diagnóstico da pancreatite crônica  

O diagnóstico é feito com história clínica associada a exames de imagem. 

A pancreatite crônica deve ser suspeitada em pacientes com dor abdominal crônica e/ou história de pancreatite aguda recorrente, sintomas de insuficiência pancreática exócrina (diarreia, esteatorreia ou perda de peso), ou endócrina.

O aumento sérico da amilase pode ser encontrado nos exames laboratoriais. Alguns testes podem ser realizados para diagnóstico de má absorção de gorduras, como teste quantitativo de gordura fecal, teste qualitativo de gordura fecal, teste da bentiromida e teste da secretina.

Radiografia simples de abdome

Apesar da baixa sensibilidade, podemos iniciar solicitando radiografia simples de abdome, que pode demonstrar a presença de calcificações em topografia pancreática e fecham o diagnóstico de pancreatite crônica. 

 calcificações pancreáticas (setas) em um paciente com pancreatite crônica.
O filme simples do abdome mostra calcificações pancreáticas (setas) em um paciente com pancreatite crônica. © 2021 UpToDate.

Tomografia computadorizada

Uma tomografia computadorizada helicoidal com contraste venoso possui sensibilidade de 80-90% e especificidade de 85%. 

Esse exame detecta atrofia, aumento pancreático, calcificação, dilatações ductais, cálculos pancreáticos e complicações como pseudocisto e pancreatite necrohemorrágica. 

Em casos em que os exames não invasivos não fechem o diagnóstico, a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) pode ser solicitada. É um exame invasivo, mas que apresenta sensibilidade e especificidade acima de 90%. 

Outro exame alternativo inclui a ultrassonografia endoscópica, que tem sensibilidade e especificidade semelhantes à CPER. 

São visualizadas alterações da ecogenicidade, identificação de calcificações e alterações dos ductos pancreáticos. Ainda permite a realização de biópsia do pâncreas, na suspeita de câncer.

Tratamento da pancreatite crônica  

Inicialmente deve ser feito o controle de fatores exógenos tóxicos como o álcool e o fumo, seguido pela suplementação de enzimas pancreáticas (lipase e protease), e uso criterioso de analgésicos para alívio da dor. 

Algumas medidas podem ajudar nos sintomas da PC, como fracionamento das refeições e redução da ingesta de gorduras. 

Pode ser lançada mão da codeína 30 mg VO, a cada 6 horas, para a dor abdominal, mas as dores mais importantes necessitarão de opioides de maior potência, como a morfina. 

Pode-se associar agentes tricíclicos em doses menores do que para ação antidepressiva, como adjuvante na dor. 

A lipase de 20.000 a 40.000 unidades por refeição é o principal tratamento para esteatorreia. Além disso, deve ser avaliado medicações hipoglicemiantes conforme necessidade.

O tratamento com supressão ácida com bloqueador do receptor H2 ou inibidor da bomba de prótons deve ser administrado junto com suplementos de enzimas pancreáticas para reduzir a inativação do ácido gástrico. 

Estima-se que até 50% dos pacientes desenvolvem sintomas progressivos ou intratáveis clinicamente e que se tornem, portanto, candidatos ao tratamento cirúrgico. 

Três abordagens cirúrgicas foram descritas: operações de descompressão e drenagem, ressecções pancreáticas e procedimentos de desnervação. 

Mapa mental de pancreatite crônica

Abaixo organizamos um mapa mental para te ajudar a compreender, de forma ainda mais resumida, todos os pontos que abordamos aqui nessa resumo.

Mapa mental de pancreatite crônica

Sugestão de leitura complementar

Referências biliográficas