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A incidência do traumatismo abdominal tem crescido progressivamente, e a lesão de órgãos e estruturas vitais, bem como a associação com outros tipos de lesões, definem a gravidade do trauma.
Nesse sentido, lesões pancreáticas ou esplênicas estão comumente relacionadas com a gravidade do trauma abdominal.
Neste artigo, você aprenderá qual a prevalência e as principais condutas relacionadas ao trauma pancreático.
Trauma pancreático
O trauma pancreático ocorre em 3-5% dos traumas abdominais fechados no adulto e em menos de 1% dos traumas abdominais fechados em crianças. A lesão pancreática é rara, mas pode ser fatal devido à complexidade anatômica deste órgão e suas inter-relações com as estruturas vizinhas.
Atualmente, existem várias opções terapêuticas e fazer a escolha apropriada muitas vezes é difícil na pancreatite aguda decorrente de trauma pancreático.
Outro dado relevante é que a lesão duodenal deve ser também considerada urgente tal como a do pâncreas, uma vez que possuem íntimas relações.
O manejo não operatório inicial para o trauma pancreático tornou-se viável quando melhorias na imagem por tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética permitiram a detecção de ruptura do ducto pancreático e, em menor medida, também pelo desenvolvimento de intervenções terapêuticas como a CPRE e implante de stent ductal. Entretanto, a laparotomia aberta ainda mantém um importante lugar no arsenal terapêutico desses tipos de lesões.
Classificação
A classificação do trauma pancreático permite a avaliação e comparação de métodos de tratamento, sendo a melhor abordagem terapêutica. A gravidade clínica se relaciona claramente com a lesão do ducto pancreático. A mais utilizada é a proposta pela Associação Americana Para Cirurgia de Trauma (AAST) (Tabela 1).
Tabela 1 – Escala de graduação do trauma pancreático segundo a American Association for the Surgery of Trauma
Grau | Descrição da Lesão |
I Hematoma Laceração | Contusão menor sem lesão ductal Laceração superficial sem lesão ductal |
II Hematoma Laceração | Contusão maior sem lesão ductal ou perda tecidual Laceração maior sem lesão ductal ou perda tecidual |
III Laceração | Transecção distal ou lesão parenquimatosa com lesão ductal |
IV Laceração | Transecção proximal (à direita de veia mesentérica superior) ou lesão parenquimatosa envolvendo a ampola |
V Laceração | Destruição maciça da cabeça do pâncreas |
Nos pacientes com ferimentos graves e em estado de choque refratário com hemoperitônio evidente, a laparotomia para o controle do dano é necessária.
Na conduta, enquanto o paciente é levado para a sala de cirurgia, deve-se realizar a ressuscitação volêmica. Se o cirurgião precisar realizar uma laparotomia para controle de danos encurtada por causa de coagulopatia, procedimentos cirúrgicos pancreáticos complexos são proibidos. Neste caso, a drenagem pancreática simples com tamponamento de leito pancreático é a escolha mais adequada.
Na maioria dos casos, lesão das estruturas vasculares peripancreáticas (a exemplo do tronco gastrocólico de Henle) é a fonte de sangramento. Essas lesões devem ser tratadas de acordo com sua localização e gravidade por ligadura, reparo de sutura ou bypass.
Contudo, em casos extremos nos quais a gravidade da lesão envolve a hemostasia vascular e/ou controle de lesão intestinal, uma pancreatoduodenectomia (PD) deve ser realizada, especialmente para ferimentos à bala. Nesse cenário, a realização de reanastomoses gastrointestinais devem ser realizadas em um segundo estágio.
Conduta do trauma pancreático
Em uma laparotomia para trauma abdominal, a exploração pancreática deve ser sistemática e abrangente. O cirurgião deve ser capaz de estabelecer se há lesão duodenal associada ou lesão para o ducto pancreático.
Exames pré-operatórios como colangiografia ou CPRE são proibidos. Esses tipos de exames são demorados e potencialmente perigosos, o que pode acarretar na transformação de um trauma pancreático isolado em lesão duodenopancreática.
Lesões classificadas como AAST, graus I ou II (hematoma simples ou rotura glandular superficial sem lesão ductal), representam 70% dos casos. O tratamento deve ser drenagem de contato simples após exploração e hemostasia. Embora a drenagem dependente seja adequada, a drenagem de sucção fechada reduz a morbidade pós-operatória em quase metade dos casos.
Se houver lesão do ducto pancreático, que ocorre em 30% dos traumas pancreáticos, o tratamento depende da localização da ruptura ductal. Se a lesão ductal estiver à esquerda dos vasos mesentéricos superiores (AAST grau III), a pancreatectomia distal é associada a menos complicações pós-operatórias do que drenagem sozinha, até na criança. A esplenopancreatectomia estendida para a direita, quando necessário, é o procedimento de emergência mais adequado e pode ser executado de forma rápida e fácil.
Em alguns serviços cirúrgicos, o sacrifício do baço é comumente realizado, porém está envolvido com um sério comprometimento imunológico. Nesses casos, pancreatectomia distal associada à preservação do baço é recomendada sempre que possível, sobretudo em crianças. Pancreático-jejunostomia em Y de Roux para drenar internamente o coto pancreático já foi proposto, mas com eficácia pouco elucidada. Ademais, a drenagem pancreática simples não é recomendada quando a lesão ductal está presente, pois pode resultar em complicações graves que requerem intervenção cirúrgica adicional.
Para lesões envolvendo a cabeça do pâncreas (AAST grau IV ou V), as opções cirúrgicas podem parecer muito mais difíceis, entre PD cefálica e métodos conservadores. Em tais eventos, a drenagem de contato ampla simples tem a vantagem de ser rápida e deixa várias opções depois disso:
- Reoperação secundária inicial com ressecção por uma equipe experiente;
- Implante de stent endoscópico;
- Tentativa de obter uma drenagem pancreaticocutâneo direcionada, sabendo que a maioria das fístulas pancreáticas puras podem curar espontaneamente ou progredir para pseudocisto e abscesso pancreático, requerendo intervenção.
Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)
A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é eficaz quando a colocação do stent é bem sucedida, mas apresenta o risco de estenose ductal tardia. A PD, nessas situações, pode parecer um procedimento de emergência arriscado. No entanto, pode ser a única solução possível em alguns casos de lesão pancreática grave: desvitalização da cabeça pancreática com lesão do colédoco e/ou ducto pancreático, desvitalização duodenal ou perfuração do bulbo duodenal. Mas a PD pode ser implementada em vários estágios, permitindo a hemostasia inicial e fechamento de lesões intestinais, com um atraso de vários dias.
Autor: Josiel Neves da Silva – Acadêmico de Medicina do Centro Universitário São Lucas (UniSL)
Instagram: @josielnevs