Obstetrícia

Resumo sobre Pré-Eclâmpsia | Ligas

Resumo sobre Pré-Eclâmpsia | Ligas

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A pré-eclâmpsia é uma condição sistêmica de distribuição mundial que atinge 5 a 8% das gestantes, representando uma importante causa de morbimortalidade materna e perinatal.

É caracterizada por intensa resposta inflamatória, lesão endotelial, agregação plaquetária, ativação do sistema de coagulação e aumento da resistência vascular, sendo possível acometer todos os órgãos.

Fisiopatologia da pré-eclâmpsia

A pré-eclâmpsia não tem causas bem estabelecidas, porém, alguns fatores podem estar relacionados a este evento, sendo ligados à placenta, ao estresse oxidativo e resposta inflamatória, à disfunção endotelial e à obesidade. No que diz respeito a placenta, entende-se que ela é fundamental para sua ocorrência.

O feto representa um semienxerto para o organismo devido à presença da carga genética paterna, mas é a placenta que entra em contato com o sangue materno e é tolerada por seu sistema imune.

A primeira fase da pré-eclâmpsia é representada pela quebra de tolerância, cuja interação do trofoblasto com leucócitos deciduais gera inadequada produção de citocinas e quimiocinas, tornando a interface materno-fetal imprópria para continuação da gravidez.

A segunda fase inicia-se quando o trofoblasto extraviloso não desempenha suas funções e não invade adequadamente o terço interno da parede uterina, impossibilitando que a gravidez se desenvolva. Interações entre moléculas expressas pelo trofoblasto e leucócitos na interface materno-fetal devem ocorrer de forma harmônica, criando um ambiente favorável à tolerância imunológica. Então, a quebra de tolerância materno-placentária pode levar à placentação deficiente, resposta inflamatória e à pré-eclâmpsia.

Sobre o estresse oxidativo e resposta inflamatória, sabe-se que a invasão trofoblástica deficiente implica no mau controle da oxigenação do espaço interviloso e na persistência das características primárias das artérias uterinas espiraladas, mantendo elevada resistência.

Nesses casos, o sangue banha as vilosidades coriônicas na forma de “jatos intermitentes” e de alta pressão.

Assim, o fluxo sanguíneo útero-placentário simula o que acontece em casos de lesão por isquemia-reperfusão, sendo marcada por uma produção exagerada de ROS (reactive oxigen species) e RNS (reactive nitrogen species), que constituem moléculas de radicais livres.

A produção de ROS gera moléculas superóxido (O2), que, em situações de ausente ou insuficiente capacidade tecidual antioxidativa, aumentam a produção de ROS e peroxidação lipídica, causando inflamação e dano celular.

O tecido placentário, principalmente o sinciciotrofoblasto, possui pouca capacidade antioxidativa. Ademais, as alterações na maneira com que o sangue perfunde o espaço interviloso provocam o estresse oxidativo.

O sincício passa a apresentar maior atividade de apoptose/necrose para gerar estímulos para maior adesão plaquetária, vasoconstrição e resposta inflamatória generalizada, que mediada principalmente por citocinas pró-inflamatórias como TNF (fator de necrose tumoral), INF-gama (interferon-gama) e IL-6 (interleucina 6).

Com relação a disfunção endotelial, acredita-se que micropartículas sinciciais da resposta inflamatória da pré-eclâmpsia são capazes de lesar o endotélio e ativar neutrófilos.

Os principais fatores angiogênicos que desempenham papéis fundamentais na manutenção da homeostase endotelial são VEGF (vasculo-endothelial growth), PlGF (placental growth factor) e TGF-β1 (tissue growth factor).

O estresse oxidativo leva à produção placentária de grande quantidade de fatores antiangiogênicos como o sFlt-1 (soluble fms-like tyrosin) e a sEndoglin (soluble endoglin).

Já o tecido adiposo é responsável por desencadear resposta inflamatória sistêmica crônica, elevada resistência à insulina, hiperlipidemia e disfunção endotelial, principalmente pela presença de adipocinas inflamatórias, como TNF-α, IL-6 e MCP-1, que são características da obesidade.

O acúmulo de triglicérides causa disfunção mitocondrial, com maior transporte de elétrons e geração de ROS45. Sendo assim, a associação da pré-eclâmpsia com obesidade pode decorrer do estado crônico de inflamação e o aumento do índice de massa corporal ativa vias inflamatórias na interface materno-fetal.

Classificação

Considerando a idade gestacional que ocorre a manifestação da doença, pode-se classi­ficar em precoce (< 34 semanas) ou tardia (>=34 semanas).

A pré-eclâmpsia precoce está geralmente associada a maior comprometimento do desenvolvimento placentário e da circulação uteroplacentária, com avaliação dopplervelocimétrica anormal das artérias uterinas, fetos com restrição de crescimento e piores desfechos maternos e perinatais. Já a pré-eclâmpsia tardia está associada a síndromes metabólicas, inflamação e comprometimento endotelial crônicos.

Fatores de risco

Fatores de risco relacionados à pré-eclâmpsia

Diagnóstico

Pré-eclâmpsia é a manifestação de hipertensão arterial sistêmica (pressão arterial ≥ 140 e/ou 90 mmHg) identificada após a 20ª semana de gestação, associada à proteinúria signi­ficativa (presença de pelo menos 300 mg em urina de 24 horas).

Admite-se o diagnóstico quando a manifestação de hipertensão arterial sistêmica (HAS) após a 20ª semana estiver acompanhada de comprometimento sistêmico ou disfunção de órgãos-alvo (trombocitopenia, disfunção hepática, insu­ficiência renal, edema agudo de pulmão, iminência de eclâmpsia ou eclâmpsia), mesmo na ausência de proteinúria.

Além disso, a associação de HAS com sinais de comprometimento placentário chama atenção para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, mesmo na ausência de proteinúria.

Prevenção da pré-eclâmpsia

As intervenções recomendadas que podem resultar em redução dos riscos de desenvolver pré-eclâmpsia são o uso de ácido acetilsalicílico (AAS) e a suplementação de cálcio.

O uso do ASS deve ser recomendado na dose de 100 a 150 mg ao dia para as pacientes de risco, sendo administrado precocemente e durante a noite. Assim, deve-se iniciar em torno da 12ª semana, ainda que não exista risco associado. Embora possa ser mantido até o­ final, sua suspensão após a 36ª semana permite a renovação de plaquetas com capacidade funcional para o parto.

A suplementação de cálcio reduz 55,0% o risco de pré-eclâmpsia. Todas as mulheres devem ser orientadas a ter uma dieta rica em cálcio; para aquelas com risco para pré-eclâmpsia e/ou dieta pobre em cálcio, recomenda-se a suplementação de 1,0 a 2,0g ao dia.

A utilização de sulfato de magnésio é preconizada diante dos quadros de iminência de eclâmpsia e ainda de forma liberal em pacientes com pré-eclâmpsia com sinais de gravidade.

Conduta na pré-eclâmpsia

No pré-natal, deve-se dar atenção para o ganho de peso, principalmente se ocorre rapidamente e for acompanhado de edema em mãos e face. É necessário se atentar aos níveis pressóricos e as queixas relacionadas a sinais ou sintomas de comprometimento de órgãos-alvo.

Quando o diagnóstico de pré-eclâmpsia é estabelecido, a prevenção da morbimortalidade materna e perinatal são importantes, com orientações sobre os sinais de comprometimento da doença, encaminhamento e assistência em serviços terciários e assistência neonatal qualificada, controle pressórico, prevenção/recorrência da eclâmpsia e na identificação precoce de alterações laboratoriais.

O tratamento não farmacológico envolve uma dieta normal (sem restrição significativa de sal); repouso hospitalar/domiciliar com redução da atividade física; acompanhamento com exames laboratoriais para identi­ficar o comprometimento de órgãos-alvo e diagnosticar a síndrome HELLP em estágio inicial.

Além disso, há o acompanhamento hospitalar/ambulatorial, no qual é recomendado internação se houver suspeita ou con­firmação do diagnóstico de pré-eclâmpsia, para que se possa avaliar as condições materno-fetais, introduzir/adequar doses de anti-hipertensivos e orientar paciente/familiares sobre a doença, os riscos e complicações.

Sobre o tratamento farmacológico, deve-se individualizar cada caso e considerar os riscos e benefícios para mãe e feto, uma vez que existem muitas drogas disponíveis visando o tratamento da pré-eclâmpsia. Vale ressaltar que são contraindicados na gestação os inibidores da enzima conversora da angiotensina, os bloqueadores dos receptores da angiotensina II e os inibidores diretos da renina, pois se associam a anormalidades dos rins fetais quando utilizados a partir do segundo trimestre.

Conduta obstétrica

Pré-eclâmpsia sem sinais de deterioração clínica ou laboratorial: conduta expectante até 37ª semana. Deve-se manter o controle da PA, orientar e monitorar sinais e sintomas de iminência de eclampsia, monitorar periodicamente alterações laboratoriais e manter a vigilância do bem-estar e do crescimento fetal.

Pré-eclâmpsia com sinais ou sintomas de deterioração clínica e/ou laboratorial: situações de deterioração clínica que indicam a resolução da gestação são: síndrome HELLP; eclâmpsia; descolamento prematuro de placenta; hipertensão refratária ao tratamento com três drogas anti-hipertensivas; edema agudo de pulmão/comprometimento cardíaco; alterações laboratoriais progressivas; insu­ficiência renal; alterações na vitalidade fetal.

Idade gestacional < a 24 semanas: a presença de deterioração clínica, recomenda-se a interrupção da gestação. Os cuidados maternos devem ser preservados, como: manter controle pressórico; utilizar sulfato de magnésio; atentar para os sinais e sintomas de iminência de eclâmpsia; manter o monitoramento laboratorial de acordo com cada caso.

Idade gestacional ≥ 24 semanas e < 34 semanas: manter controle pressórico adequado; utilizar sulfato de magnésio. Se não houver indicação absoluta para o parto, pode-se manter a medicação por 24h ou de acordo com a clínica; atentar para os sinais e sintomas de iminência de eclâmpsia; manter o monitoramento laboratorial; realizar vigilância do bem-estar e do crescimento fetal; realizar corticoterapia para a maturação pulmonar fetal.         

Idade gestacional entre 34 e 37 semanas: condução dos casos igual das idades gestacionais entre 24 e 34 semanas. Diante da melhora clínica/laboratorial materna, e vitalidade fetal preservada, recomenda-se que o parto seja postergado para mais próximo do termo.

Condutas obstétrica para Pré-eclâmpsia

Autores e revisores

Autor: Amanda Brito da Silva

Revisor: Rafaela Santos Matos Oliveira

Liga: Liga Acadêmica de Ginecologia e Obstetrícia (LAGO)

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de Ligas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


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Referências

De Oliveira, Leandro Gustavo; Karumanchi, Ananth; Sass, Nelson. Pré-eclampsia: estresse oxidativo, inflamação e disfunção endotelial. São Paulo. 2010.

Pré-eclâmpsia / eclâmpsia: protocolo da Febrasgo. 2018