Definição e Epidemiologia
A gravidez ectópica corresponde aquela gestação cuja implantação e desenvolvimento do blastocisto ocorrem fora do endométrio da cavidade uterina.

Esse é um termo que abrange além de gravidez extrauterina (tubária, ovariana, abdominal), a gravidez cervical, intersticial e em cicatriz de cesárea. A gravidez tubária é a mais comum, correspondendo a 95-98% dos casos. Nessas pacientes a região da ampola é a mais acometida, com a implantação do ovo nesse local ocorrendo entre 70 e 80% dos quadros.
Essa patologia incide em cerca de
1,5 a 2% das gestações e configura um risco a vida da paciente. A hemorragia
secundária a gravidez ectópica rota é uma das principais causas de mortalidade materna
no primeiro trimestre de gravidez, sendo responsável por 4% de todas as mortes
relacionadas a gestação. Contudo, é importante salientar que essa mortalidade vem
diminuindo nas ultimas décadas com a ascensão de métodos diagnósticos, tais
como a ultrassonografia.
Fisiopatologia da gravidez ectópica
A gravidez ectópica geralmente
está associada a fatores de risco que causam lesão tubária ou alteração no
transporte ovular, sendo assim, quando chegado o momento da nidação o ovo ainda
não se encontra na cavidade uterina e se implanta em localização anômala. Entre
os fatores de risco estão:
- Doença inflamatória pélvica;
- Infecções genitais;
- Uso de dispositivo intrauterino;
- Cirurgia tubária prévia;
- Gravidez ectópica anterior;
- Procedimentos relacionados à reprodução assistida;
- Uso de métodos anticonceptivos de emergência;
- Tabagismo;
As infecções genitais,
por exemplo, levam a alterações significativas nas tubas, podendo causar diminuição
no número e movimento dos cílios, além de aglutinação das dobras da mucosa com
estreitamento da luz tubária, formação de microdivertículos e destruição das
fímbrias, levando a transporte ovular inadequado através da tuba.
Quadro clínico
A tríade clássica que compõe o
quadro clínico da gravidez ectópica é definida por: dor abdominal, sangramento
vaginal e atraso ou irregularidade menstrual. Pelo menos um destes sintomas está
presente em praticamente todas os casos de gravidez ectópica. Aqueles pacientes
que evoluem com gravidez ectópica rota exibem quadro clínico de choque,
incluindo hipotensão, taquicardia e sintomas de peritonite – como dor a
descompressão brusca do abdome. Sinais típicos de gestação tópica também são
encontradas nessas pacientes, como aumento do volume e sensibilidade das mamas,
náuseas e vômitos, alterações no ritmo intestinal e síncope.
- Dor abdominal:
Este é o sintoma mais frequente, porém
suas características em cada caso podem variar consideravelmente. Pode-se se
apresentar desde um quadro vago de dor em cólica até a presença de dor
lancinante associada a síncope. Em casos de gravidez tubária, a localização
pode ser ipsilateral a tuba acometida (50%), difusa por todo abdome (25%) ou no
lado oposto (25%). - Sangramento
vaginal: Ocorre em 60 a 90% dos casos em decorrência da descamação
endometrial secundária a produção irregular de hCG. Esse sangramento é discreto,
vermelho escuro ou acastanhado e, por vezes, acompanhando de dor. - Atraso ou
irregularidade menstrual: O atraso menstrual ocorre em 75 a 95% dos casos,
as demais pacientes apresentam irregularidade menstrual.
Embora as formas de
apresentação clínicas possam variar bastante, as principais são: subaguda,
aguda e abdominal.
- Subaguda: Essa é a forma clínica
mais comum; com o ovo, geralmente, implantado na ampola tubária, região de
maior distensibilidade da tuba. Isso garante que o fenômeno se prolongue
por muitos dias e a perda de sangue seja intermitente para cavidade abdominal.
Esse processo persistente pode levar a irritação peritoneal com dor e
distensão abdominal, náuseas e vômitos, estado subfebril. No exame
ginecológico, essa paciente pode apresentar ocupação e dor à pressão do
fundo do saco de Douglas, além de desconforto na manipulação do colo
uterino. - Aguda: Corresponde a ruptura que ocorrem
em 50% dos casos de gravidez tubária, onde o ovo se localiza no istmo da
tuba uterina. A paciente apresenta dor intensa, em pontada, na fossa ilíaca
ou hipogástrio. O sangue, além de irritar a cavidade peritoneal, se
acumula no fundo de saco posterior, causando a sensação de peso no reto e
na bexiga, associado a dor à defecação e micção. Nesse caso, a paciente
apresenta ainda sinais clássicos de choque, como palidez, sudorese, extremidades
frias, pulso fino e rápido, juntamente com hipotensão. No exame físico, a
paciente apresenta palpação abdominal dolorosa, com dor a descompressão brusca
e dor a pressão do fundo do saco de Douglas. - Abdominal: Pode ser um quadro
consequente a uma gravidez tubaria, logo é preciso identificar história
prévia sugestiva. A paciente queixa-se de dor abdominal, náuseas e vômitos.
No exame físico, revela apresentação transversa à palpação. Exames de
imagem como ultrassonografia e ressonância magnética confirmam a suspeita
e indicam a local de inserção da placenta.
Diagnóstico
Diante sua apresentação clínica
diversa e, por vezes, imprecisa, essa é uma patologia de difícil diagnóstico,
sobretudo em sua fase inicial. É necessária uma anamnese cuidadosa, com ênfase na
identificação de fatores de risco, o que ajuda na diferenciação entre a
gestação ectópica e outros quadros, tais como abortamento, rotura de cisto
ovariano, salpingite, afecções gastrointestinais ou mesmo uma gestação tópica.
O diagnóstico de pacientes com
gravidez ectópica baseia-se nos exames de ultrassonografia transvaginal (USTV) e
dosagem de β-hCG. O valor de
3.500mUI/ml foi estabelecido como discriminatório para assegurar o momento a
partir do qual estaria presente um saco gestacional na USTV. Dessa forma, a fim
de diagnóstico, pacientes com β-hCG
> 2000 – 3000 mUI/ml e útero vazio na imagem do USTV tem chance de gravidez
ectópica 19 vezes maior do que uma gravidez intrauterina viável, cuja
probabilidade é apenas de 2%.
A concentração sérica de β-hCG em casos de gestação ectópica
tende a ser menor do que a observada em gestações tópicas de mesma duração,
assim como, o tempo de duplicação de seus valores séricos é maior do que o
encontrado, geralmente, em uma gestação viável. Assim, aquelas pacientes
incialmente com β-hCG >
2000 – 3000 mUI/ml e ausência de saco gestacional intrauterino devem ser submetidas
a uma mensuração seriada dos níveis de β-hCG,
a fim de avaliar a variação de seus valores no tempo esperado. Um aumento menor
que 55% em 48h indica uma gravidez não viável, seja ela tópica ou ectópica.
Em casos de gravidez tubária,
podem ser encontrados diversos padrões na ultrassonografia associado a ausência
de saco gestacional dentro da cavidade uterina, que indicam alta probabilidade
de ectopia:
- Massa anexial complexa;
- Anel tubário;
- Embrião vivo extrauterino;

RIOS, Lívia Teresa
Moreira et al . Anormalidades do primeiro trimestre da gravidez: ensaio
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Tratamento da gravidez ectópica
Nos dias atuais, em função da
maior possibilidade de diagnóstico precoce, é possível oferecer, em alguns
casos, condutas terapêuticas mais conservadoras, visando preservar o futuro
reprodutivo das pacientes. Porém, a escolha do tipo de terapia deve ser
individualizada e depende da integridade, local e tamanho da gravidez ectópica,
do estado hemodinâmico da paciente, seu desejo reprodutivo, experiencia do
médico e preferência da paciente.
Em casos de gravidez tubária, o
tratamento pode ser cirúrgico, medicamentoso ou expectante.
- Cirúrgico:
O tratamento cirúrgico pode ser radical – através da salpingectomia – ou conservador
– salpingostomia – e está indicado na presença de gravidez ectópica rota ou na vigência
de contraindicações para o tratamento clínico. A salpingectomia pode ser
necessária em mulheres com sangramento incontrolável, gravidez ectópica recorrente
na mesma tuba, lesão tubária acentuada ou saco gestacional > 5cm. Essa é a
cirurgia ideal, uma vez que promove hemostasia adequada e garante remoção
completa do tecido trofoblástico, por isso é a melhor indicação naquelas que não
manifestam desejo reprodutivo. Já a salpingostomia consiste na conservação da
trompa e está indicada em pacientes com a tuba contralateral doente, que
manifestam desejo reprodutivo ou com ectopia tubária de pequenas dimensões e
que se apresenta integra, além de estabilidade hemodinâmica. Após cirurgia,
essas pacientes devem acompanhar o valor de negativação do β-hCG. - Medicamentoso:
O metotrexato é a droga mais utilizada no tratamento clínico da gravidez ectópica
integra. Trata-se de um quimioterápico antimetabólico, antagonista do ácido
fólico, que interfere na síntese de DNA e, consequentemente, na divisão celular.
Geralmente o esquema de tratamento é sistêmico, via intramuscular, dose única –
50mg/m² – e os critérios de inclusão são:
quadro clínico estável, diagnóstico definitivo, β-hCG < 5000 mUI/ml, aumento do β-hCG < 50% em 48h, saco gestacional < 3,5cm, atividade cardíaca
fetal ausente e liquido livre no peritônio ausente/moderado. Deve ser medido os
valores do β-hCG nos dias 4 e
7 pós-tratamento e se a redução for < 15%, deve ser repetida a dose. Por fim,
é preciso ser feito um seguimento semanal até atingir nível não gravídico (<5mUI/ml).
É preciso atentar para efeitos colaterais importantes associados ao medicamento,
como leucopenia, pneumonite e alopecia. - Expectante:
Esse tratamento está reservado a pacientes com quadro clínico estável,
níveis de β-hCG em declínio e
um nível inicial menor que 1000 – 1500 mUI/ml. O β-hCG deve ser mensurado semanalmente até atingir <5mUI/ml.
Já em casos de gravidez cervical,
quando o quadro clínico é instável, o único tratamento é histerectomia, enquanto
que em quadros estáveis, pode ser feito metrotexato sistêmico – caso não haja
BCF (Batimento Cardíaco Fetal) – ou mesmo intraovular – na presença de BCF. As
opções se assemelham à gravidez em cicatriz de cesárea, porém em alguns casos a
implantação pode ter sido parcial na cavidade uterina, resultando em feto viável
e o tratamento expectante passa a ser uma opção, porém com risco considerável de
hemorragia, rotura uterina e histerectomia. Na gravidez ovariana e intersticial
pode ser realizado tanto tratamento cirúrgico quanto medicamentoso.
Na gravidez abdominal, o risco de hemorragia que ameaça a vida da paciente é elevado, assim, muitos desaconselham a conduta expectante para avaliar viabilidade do feto e indicam interrupção da gravidez por laparotomia. Contudo, quando o diagnóstico é tardio e o feto encontra-se vivo e viável, pode-se aguardar com a paciente hospitalizada para um parto prematuro. A princípio a placenta deve ser removida, exceto se estiver implantada em regiões com estruturas vitais ou grandes vasos, quando vai precisar ser acompanhada posteriormente por ultrassonografia e dosagem seriada de β-hCG.