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Para saber como é a rotina da residência em Cirurgia Torácica, é necessário ler sobre o assunto e ouvir o relato de quem passa já está em treinamento. A Cirurgia Torácica é uma especialidade ainda pouco explorada no Brasil. Segundo a Demografia Médica 2018, do CFM, há apenas 992 médicos especialistas para todo o país, equivalentes a 0,48 profissionais por 100 mil habitantes.
No mesmo ano, foram autorizadas 129 vagas de residência médica na especialidade, das quais 64 foram ocupadas.
A concorrência dos programas também não é considerada alta, pois gira em torno de 3,83 candidatos por vaga. Para saber mais sobre a rotina e os desafios enfrentados no treinamento de Cirurgia Torácica, a Sanar Residência Médica conversou com João Marcelo Lopes e Igor Barbosa Ribeiro, residentes do R2 no HC-USP.
Existem muitas informações que você não pode deixar de saber se quer escolher a residência em Cirurgia Torácica. Portanto, acompanhe todos os detalhes abaixo para escolher bem a especialidade!
A escolha da residência
João conta que se encantou com a especialidade na época em que fez residência de Cirurgia Geral na Santa Casa de Misericórdia de Campo Grande. Lá, teve bastante contato com traumas torácicos.
Depois de ver a maestria com a qual o chefe da Cirurgia Torácica auxiliava nos procedimentos, resolveu conhecer melhor a área.
“Gostei bastante da fisiologia pulmonar. É uma especialidade muito intra-hospitalar e, como não sou muito de consultório, tudo isso foi somatizando. Eu sabia que a Cirurgia Torácica tinha pouco protecionismo, então poderia concorrer melhor nas provas do que em outras especialidades. Como eu estava vindo de longe, não deixou de ser fator importante”, afirma.
Natural de Salvador, Igor não tinha nenhuma especialidade pré-definida e só se decidiu no final da residência de Cirurgia Geral. Ele conta que, ao longo do treinamento, foi excluindo as áreas que não queria até que, no final, sobraram Cirurgia Vascular e Cirurgia Torácica.
“Eu achava o tórax interessante por conta da anatomia. Fora isso, eu soube que a Cirurgia Torácica não tinha nenhum centro de formação na Bahia. Então era desafiador, porque teria de sair do estado. Queria um desafio e o mercado não estava muito saturado na época, então resolvi fazer. É uma área com potencial para crescer, que está engatinhando no Brasil e, mais ainda, em Salvador”, conta.
Ambos os residentes comentam que a escolha pelo Hospital das Clínicas da USP ocorreu, entre outras coisas, por ser uma instituição reconhecidamente qualificada em diversos programas de residência médica.
“A Cirurgia Torácica ainda está engatinhando no Brasil, então, é uma oportunidade que poucos serviços dispõem. No HC, temos mais volumes, coisas diferentes. E querendo ou não, o benefício de estar na USP, com muita fonte e investimento de pesquisa, disponibilidade de materiais e casos que conseguimos acompanhar”, explica João.
Igor reforça o pensamento. Segundo ele, o HC-USP possui, atualmente, o maior serviço de Cirurgia Torácica do país. Como ele já tinha passado um mês conhecendo os serviços do Hospital, não teve dúvidas na hora de escolher.
“Eu vim estagiar aqui ainda na residência de Cirurgia Geral, em agosto de 2018. Então, vi que o serviço era extremamente organizado, com profissionais competentes, além de ter também uma veia acadêmica de pesquisa e ensino muito forte. Na época, minha noiva fazia Unicamp, então, tudo isso junto facilitou e reforçou a escolha”.
Como a residência é dividida
O objetivo geral dos programas de residência médica em Cirurgia Torácica é formar e habilitar médicos para dirimir as situações, problemas e dilemas na área, além de dominar a realização dos procedimentos cirúrgicos da especialidade.
Segundo a CNMR (Comissão Nacional de Residência Médica), os residentes devem ter as seguintes capacidades:
- R1: dominar a avaliação pré-operatória com informações acuradas e essenciais sobre o paciente; analisar as causas de infecção cirúrgica; Dominar as Bases da Cirurgia Torácica; estar capacitado na resolução de problemas com apresentação e discussão de casos clínicos; Realizar técnicas cirúrgicas em Cirurgia Torácica e revisão da anatomia do tórax em ambiente simulado; dominar a técnica dos procedimentos de complexidade intermediária; dominar os princípios da intubação seletiva com ou sem auxílio do broncofibroscópio; entre outras;
- R2: dominar o conhecimento das afecções e técnicas cirúrgicas em Cirurgia Torácica de maior complexidade; dominar a indicação e realização das reoperações e o tratamento das principais complicações no âmbito da especialidade; compreender e analisar a incorporação de novas tecnologias em Cirurgia Torácica; Compreender as técnicas de Cirurgia minimamente invasiva incluindo cirurgia por vídeo e robótica, Transplante Pulmonar, ECMO e Tromboendarterectomia pulmonar; dominar os princípios básicos em: Oncologia Torácica, Cirurgia Torácica Pediátrica, Procedimentos avançados das vias aéreas; entre outras;
No HC-USP, os treinamentos ocorrem no Instituto do Câncer, Instituto Central e no Instituto do Coração. No primeiro ano, os residentes ficam em enfermaria, ambulatório, interconsultas e procedimentos cirúrgicos ambulatoriais.
Além disso, rodam no centro cirúrgico e realizam procedimentos menores, como biópsias de pleuras por vídeo, ressecções pulmonares não anatômicas, entre outros.
“Na especialidade, temos uma divisão tanto pelo grau de complexidade quanto pelas divisões da própria Cirurgia Torácica em si. O R1 é basicamente responsável pelos procedimentos, então tem bastante traqueostomias e drenagens torácicas. já pelas cirurgias, o R1 fica responsável por grande parte das cirurgias de pleura, cavidade pleural e auxilio nas biópsias e laringoscopias de suspensão”, explica João.
Igor destaca que, no R1, os residentes, basicamente, tomam conta da enfermaria e ficam no hospital “praticamente 24h por dia”.
“O R1 é o primeiro na linha de combate, que estará em todas as intercorrências e pedidos de consultas. Aqui no HC, há uma hierarquia, então o R1 sempre faz os primeiros atendimentos e passa para o R2 e os assistentes. Então todos ficam cientes do que está acontecendo”, complementa.
No R2, os residentes passam por atividades semelhantes ao R1, mas com menor carga horária intra-hospitalar. Assim, são responsáveis por supervisionar o R1 na enfermaria, e rodam em ambulatório e centro cirúrgico, sendo esta sua principal atividade, com procedimentos mais complexos.
“Nós temos mais direcionamento para ressecções pulmonares, ressecções e anastomoses de traqueia, e tumores da parede torácica e mediastino”, destaca João.
Igor ressalta que, no R2, os residentes participam mais de atividades acadêmicas, pois conseguem entrar em projetos de pesquisa e participar de eventos complementares à residência, como cursos e congressos.
“O R1 e o R2 trabalham com o pessoal do transplante pulmonar. A diferença é que, no R1, o residente faz a captação do órgão, e, no R2, participamos do implante do órgão. Além disso, no segundo ano, você pode passar um mês de estágio opcional, com possibilidade de fazer até fora do país”, acrescenta.
Alinhando as principais expectativas
João revela que, até conseguir fazer estagio no HC-USP, não tinha muita noção do que encontraria na residência. Afinal, se baseava apenas no que via durante o treinamento na Santa Casa de Campo Grande. Portanto, foi para São Paulo com muitas expectativas.
“Eu pensava em acompanhar os pacientes de câncer de pulmão e ver como é o tratamento adequado nessa área, participar de grandes cirurgias de tumores e até de cirurgias que envolvem outras especialidades. Além disso, esperava manejo da parte da traquéia e da via aérea, que é uma área que muitos têm receio de abordar e, lá, a Cirurgia Torácica faz bastante”.
Igor esperava ter crescimento pessoal, por morar em outro estado, e outro profissional, que inclui habilidades técnicas cirúrgicas e acadêmicas.
“Estava vindo para um centro de excelência na parte acadêmica, então queria começar a ver essa parte de pesquisa, ter mais contato com pesquisadores. Enfim, com pessoas que fazem o conhecimento da especialidade”.
Outra expectativa para Igor era começar uma inserção no mercado de trabalho. Afinal, de acordo com ele, em São Paulo estão algumas das principais lideranças da Cirurgia Torácica no Brasil.
“Além disso, a instituição tem uma estrutura muito boa. Então deu para ter contato com as principais ferramentas como, por exemplo, cirurgia por vídeo e cirurgia robótica”, complementa.
Apesar de não se queixar do treinamento que recebe, Igor faz uma importante ressalva. “Dentro de minhas expectativas, tudo está sendo cumprido. A única observação é que, por conta da pandemia, foi um ano um pouco abaixo do esperado. Mas isso não é só aqui [no HC-USP], é no Brasil inteiro”.
O melhor da residência em Cirurgia Torácica
Entre os pontos positivos trazidos por João, estão o manejo do paciente grave, das doenças graves do tórax e poder estar próximo de chefes que têm área de atuação dentro da própria residência em Cirurgia Torácica.
“La no HC, tem chefe da traqueia, da parede torácica, da parte oncológica, do transplante, entre outros. Então, tem bastante coisa: tem o ônus do trabalho ser maior, de ser muito corrido, mas tem o bônus de estar do lado de pessoas que são consideradas os maiores especialistas do país nas áreas em que atuam”.
João também considera importante a possibilidade de poder ampliar sua rede de contatos e conhecer outros profissionais. “Querendo ou não, o HC é bem sem fronteiras. Então, acaba conhecendo gente do país todo, tanto em Cirurgia Torácica, quanto em outras especialidades”.
Igor considera que, do ponto de vista pessoal, ganhou bastante ao fazer novas amizades. Segundo ele, a residência foi positiva ao lhe dar a chance de se relacionar com pessoas diferentes, oriundas de diversas regiões do país e do mundo. Além disso, garante que o treinamento lhe proporcionou uma grande evolução profissional.
“Na Cirurgia Torácica em si, a melhor coisa é a oportunidade de fazer os procedimentos e ter a sensação de que está fazendo bem, de forma segura. Você se esforça muito, se cansa, mas fica feliz quando percebe que isso se reveste em conhecimento técnico e acadêmico. Esta é a melhor parte da residência: conseguir crescer como pessoa e profissionalmente”.
Outro elemento de destaque apontado por Igor, é o perfil de atendimento do HC-USP e a sensação de estar fazendo o bem para outras pessoas.
“Recebemos pacientes de todos os lugares e uma coisa bem legal é você perceber que está conseguindo ajudar muita gente. Você consegue dar assistência de um nível maior que o oferecido pelo SUS de forma geral, e esses pacientes não teriam esse tipo de atendimento em outro lugar”.
O mais difícil
Como em qualquer residência médica, para João, um dos fatores que mais pesam no treinamento é a carga horária. Ela se intensifica com o sobreaviso noturno, emergências e imprevistos que podem acontecer durante a madrugada.
“Precisamos dar conta de tudo e, no dia seguinte, tocar o dia normalmente. Além disso, como o HC é um grande centro de excelência em pesquisa e produção científica, tem um grande nível de exigência. A Cirurgia Torácica lá, por ter suas áreas de atuação bem divididas, também tem uma cobrança individual relevante”, completa.
Igor comenta que, apesar de trazer resultados positivos, um dos desafios iniciais da residência foi trabalhar em uma equipe nova, ainda desconhecida para ele, além da carga horária exaustiva.
Ele também destaca que, por não ter contato com a Cirurgia Torácica antes, teve de se esforçar mais no início.
“Na maioria dos serviços de residência de Cirurgia Geral, há pouco contato com a Cirurgia Torácica. Então, tive certa dificuldade de formar essa base de conhecimento no primeiro ano. Outra dificuldade está relacionada ao complexo do HC, pois cada hospital tem sua particularidade, então conhecer a particularidade de cada um deles foi também um desafio”.
Expectativa de trabalho e emprego
A maioria dos especialistas em Cirurgia Torácica está concentrada na região Sudeste (51,2%), onde estão os principais centros de referência na especialidade.
A área de atuação se concentra, basicamente, em hospitais, com unidades de terapia intensiva e equipe multidisciplinar treinada para lidar com situações de maior complexidade.
O cirurgião torácico também pode desempenhar funções como endoscopia respiratória (broncoscopia, broncoscopia guiada por ultrassonografia, entre outros).
Além disso, pode continuar estudando e se especializar em uma anatomia específica como Cirurgia da Pleura, Cirurgia de Traqueia, Oncologia Torácica, entre outros.
A especialidade também é atraente pela remuneração. Segundo o site Salario.com, o Cirurgião Torácico ganha uma média salarial de R$ 5.450,65 a R$ 10.940,49, levando em conta profissionais com carteira assinada em regime CLT de todo o Brasil.
João afirma que a Cirurgia Torácica, por estar em crescimento no Brasil, ainda tem bastante oportunidade no mercado de trabalho. Para ele, não é uma especialidade para trabalhar sozinho. Afinal, pela complexidade dos procedimentos, é importante que o especialista faça parte de grandes equipes e participe de tratamentos completos.
Sobre o futuro profissional, o residente assume que tem muitas possibilidades.
“Ainda ficarei mais um ano em São Paulo. Farei fellow em alguma subespecialidade, mas ainda não decidi em qual. Sobre as expectativas de emprego, existem grandes equipes em São Paulo e eu tenho também a oportunidade de voltar para minha casa. Então, estou em aberto, irei decidir ao longo do próximo ano”.
Igor diz que, apesar do mercado da Medicina, de forma geral, estar cada vez mais concorrido, na Cirurgia Torácica ainda há boas oportunidades.
“A especialidade tem muito a crescer, principalmente em relação a serviços e procedimentos. Então, mesmo tendo essa competitividade maior, se você tem uma boa formação e comprometimento, as oportunidades surgirão inevitavelmente”.
Igor destaca que a Cirurgia Torácica é uma especialidade basicamente intra-hospitalar, pois ambulatório e consultório são atividades adicionais para acompanhar pacientes operados ou atender pacientes encaminhados por outra especialidade.
“O principal é estar dentro de hospital em contato com outras especialidades clínicas como Infectologia, Pneumologia, Oncologia, Cardiologia, entre outras. São especialidades que necessitam do apoio de Cirurgião Torácico”.
Quando fala em expectativas profissionais, Igor afirma que, desde que foi morar em São Paulo, imaginava que voltaria para Salvador, mas ainda não decidiu exatamente o que fará.
“Estou terminando a residência, e as oportunidades vão surgindo. Ainda não tenho ano que vem definido, mas tenho oportunidade de fazer anos adicionais de subespecialização [fellow], ou tentar voltar para a Bahia e buscar uma inserção no mercado de lá”.
Conclusão sobre a rotina da residência em Cirurgia Torácica
Assim como em qualquer outra especialidade, a residência médica em Cirurgia Torácica envolve dificuldades. Ambos os residentes relatam que enfrentam problemas como carga horária e rotinas intensas de estudo e serviço. Porém, reforçam que vale a pena passar por essa experiência.
João se diz satisfeito na residência em Cirurgia Torácica por aprender a lidar com pacientes graves e com uma clínica cirúrgica complexa. Segundo ele, um dos diferenciais da especialidade está justamente na área de atuação.
“A cirurgia pulmonar é maravilhosa e o câncer de pulmão é o que mais mata no mundo. O Brasil também tem muitos pacientes com sequelas de tuberculose que podem precisar de avaliação da Cirurgia Torácica, e a nossa especialidade dá o privilégio de trabalhar com muitos outros colegas em intercorrências hospitalares. Poder ajudá-los no manejo delas é bastante gratificante”, estimula.
Igor ressalta que, antes de escolher a especialidade, é importante se informar com os profissionais da área, ver onde vai querer atuar, a qualidade dos centros formadores e a situação do mercado de trabalho.
“A escolha da especialidade, hoje, junta um pouco da razão e do coração. Você deve ver o que dá prazer e buscar informação para saber se isso te dará retorno profissional e pessoal. Além disso, é importante estar atento para escolher um local com boa qualidade de ensino, contatos com maior número de casos possível e possibilidade de pôr em prática tudo que você aprendeu”, complementa.
Sobre a especialidade, ele destaca que é imprescindível que a pessoa seja resiliente, pois independentemente de onde se faça a residência, o treinamento é muito exigente.
“Vai exigir bastante de você, principalmente, pela carga horária, desgaste físico e mental. Então tem de ter foco, força e fé para seguir em frente e saber que aquele período mais crítico da residência é passageiro. Então você tem que administrar da melhor forma para saber se está apto a exercer a Cirurgia Torácica”, finaliza.