Clínica Médica

Diabetes mellitus tipo 2 em jovens: o que sabemos até agora? | Colunistas

Diabetes mellitus tipo 2 em jovens: o que sabemos até agora? | Colunistas

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Diabetes mellitus (DM) é uma doença endocrinológica crônica que afeta a homeostase glicêmica dos indivíduos. Ela decorre principalmente da deficiência na ação ou na produção de insulina – um hormônio produzido pelas células beta do pâncreas, que atua na metabolização da glicose para produção energética –, podendo ou não ter causa autoimune. 

Dentre os diversos tipos da doença, o mais prevalente é o tipo 2; nele acontece uma resistência celular à insulina e a glicose não consegue entrar na célula. Para corrigir isso, o corpo demanda uma maior produção hormonal, entretanto, a longo prazo, ocorrerá uma exaustão ou até falência das células pancreáticas. 

O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é mais prevalente em adultos com mais de 40 anos e está associado a outras doenças como obesidade, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e disfunção endotelial. Embora ainda raro em crianças, adolescentes e adultos jovens, sua incidência tem aumentado drasticamente nos últimos vinte anos e, portanto, merece um olhar diferenciado.

Fatores de risco

Em jovens, excesso de peso é o fator de risco mais importante, pois, além de predispor o diabetes tipo 2 em idade precoce, tem relação com obesidade e doenças cardiovasculares na vida adulta. Além disso, histórico familiar de diabetes, sinais de resistência insulínica (acantose nigricante, dislipidemia, doença do ovário policístico), algumas etnias (negra, hispânica, indígena americana e asiática), sexo feminino (60% mais chance) e histórico materno de diabetes gestacional também contribuem para o desenvolvimento do DM2. 

Desafios clínicos

 Embora a fisiopatologia da doença no jovem seja semelhante à do adulto – resistência insulínica associada a lesão de células beta pancreática sem componente autoimune – estudos indicam que o DM2 nessa população apresenta aspectos únicos e, portanto, uma clínica desafiadora. 

Considerando a idade média de diagnóstico da doença 14 anos, notou-se, a partir disso, uma forte relação entre DM2 e o desenvolvimento puberal. É provável que isso esteja relacionado com a redução transitória de sensibilidade à insulina, que ocorre em crianças à medida que entram na puberdade, e a necessidade de compensação da secreção insulínica do corpo. Assim, indivíduos com limitada capacidade de células beta podem apresentar hiperglicemia na puberdade que, devido à dinâmica natural de sua resistência insulínica, pode ser reversível.

Ademais, a queda na função das células betas é muito mais rápida que nos adultos e, dessa forma, a perda de controle da glicemia com terapia oral é mais veloz. Há evidências também de acelerado desenvolvimento e progressão das complicações micro e macrovasculares, sendo a primeira muito frequente já ao diagnóstico.

Por fim, o diabetes mellitus tipo 2 tem um impacto desproporcional em jovens de minorias étnicas e origens desfavorecidas inseridos em ambientes psicossociais e culturais complexos que dificultam a mudança de estilo de vida durável e a adesão às recomendações médicas necessárias. Além disso, essas complexidades dificultam o recrutamento e a conclusão dos programas de pesquisa, deixando grandes lacunas no conhecimento sobre fisiopatologia e otimização do tratamento.

Triagem e diagnóstico

O diagnóstico na população jovem exige dois passos: confirmação da presença de diabetes mellitus seguido pela determinação do tipo. Os critérios e a classificação do DM são fornecidos pelos guias consensuais da Associação Americana de Diabetes (ADA) e da Sociedade Internacional Para Diabetes Pediátrico e Adolescente (ISPAD), que são disponibilizados e atualizados anualmente.

 A triagem deve ser cogitada em crianças e adolescentes após o início da puberdade ou acima de 10 anos de idade, com sobrepeso ou obesidade e que têm um ou mais fatores de risco adicionais para DM2. Se os testes estiverem normais, deve-se repetir os exames em intervalos mínimos de 3 anos.

Os exames recomendados tanto para a triagem como confirmação diagnóstica são: glicemia plasmática em jejum (GJ), teste de tolerância oral a glicose (TOTG) e hemoglobina glicada (HbA1c). Alguns estudos sugerem que a GJ e o TOTG são testes diagnósticos mais adequados do que a HbA1c na população pediátrica, entretanto a ADA continua a recomendar a HbA1c, exceto em casos de fibrose cística ou com sintomas sugestivos de início agudo de diabetes tipo 1. Vale salientar ainda que, na ausência de sintomas, uma hiperglicemia detectada ao acaso ou sob condições de estresse fisiológico agudo pode ser transitória e, portanto, deve-se repetir o exame antes de considerar a investigação para diabetes.

 Após o diagnóstico confirmado, deve-se determinar qual o tipo de diabetes.  Existem características de apresentação e fenótipo que podem ser úteis na hipótese diagnóstica de um DM2. Todavia há uma sobreposição considerável entre as características do tipo 2 e do tipo 1 no adolescente obeso, tornando essas características de valor limitado. Dado o crescente aumento da obesidade infanto-juvenil, sobrepeso e obesidade são comuns em crianças com DM1, e autoanticorpos e clínica associados ao DM1 podem estar presentes em pacientes pediátricos do tipo 2. Além disso, em alguns indivíduos, a obesidade contribui para o desenvolvimento de diabetes tipo 1, confundindo ainda mais os limites entre os tipos.

Autoanticorpos de ilhotas devem ser testados em todos os jovens com diagnóstico clínico de DM2 devido a sua alta frequência de positividade nesse grupo e também por estarem associados a uma progressão mais rápida para a deficiência de insulina, bem como o risco de desenvolvimento de outras doenças autoimunes. Esse teste também deve ser considerado em crianças púberes com excesso de peso e um quadro clínico de DM1 (perda de peso, cetose/cetoacidose), já que algumas podem ter DM2 e serem desmamadas da insulina por longos períodos de tempo.  

 O grau de desenvolvimento puberal pode ser o mais útil, embora de forma negativa. Jovens com DM2 estão quase sempre na puberdade, com idade média de diagnóstico de 13 ou 14 anos e estágio de Tanner 4 ou 5 e, raramente, pré-púberes. 

 Mesmo com todos esses desafios, o diagnóstico preciso é fundamental, pois os regimes de tratamento, abordagens educacionais, aconselhamento dietético e resultados diferem acentuadamente entre pacientes de diferentes tipos de diabetes.

Tratamento e manejo

 O tratamento inicial do adolescente obeso com diabetes deve levar em consideração que o tipo de diabetes muitas vezes não é certo nas primeiras semanas de tratamento, que 10% a 15% dos adolescentes obesos terão DM1 e que uma porcentagem substancial de adolescentes com DM2 se apresentará com cetoacidose clinicamente importante.  Portanto, o tratamento inicial deve ser baseado na apresentação clínica, mantendo-se a mente aberta em relação ao tipo de diabetes e eventual mudança terapêutica. 

Mudança no Estilo de Vida

A mudança no estilo de vida é crítica para o tratamento de DM2, e os médicos, no momento do diagnóstico, devem iniciar um programa educacional de modificação do estilo de vida, que abranja não só o jovem como também sua família.  As intervenções devem ser baseadas em um modelo de cuidado crônico, incluindo a promoção de um estilo de vida saudável por meio de mudança de comportamento, nutrição adequada, treinamento físico, controle de peso e cessação do tabagismo. 

No entanto, os desafios para implementar modificações no estilo de vida em adolescentes são maiores do que em pacientes adultos, porque eles geralmente vêm de famílias onde comer demais e ser sedentário são considerados a norma.  Assim, muitos adolescentes com DM2 não manterão as mudanças de estilo de vida recomendadas e permanecerão acima do peso com controle inadequado do diabetes.

Meta Glicêmica

 O objetivo da terapia com apenas agentes orais é atingir e manter HbA1c < 7%, que deve ser medida a cada 3 meses.  Na maioria dos casos, esta meta pode ser alcançada com sucesso e por longos períodos com monoterapia com metformina, combinada com aconselhamento e apoio focado no estilo de vida. As metas de hemoglobina glicada para pacientes em uso de insulina devem ser individualizadas, levando em consideração as taxas relativamente baixas de hipoglicemia nesse grupo.

 O automonitoramento domiciliar de glicemia deve ser individualizado. Em média, pacientes que não tomam insulina são solicitados a verificar a glicose da picada do dedo duas vezes por dia, alguns dias por semana e sempre que o paciente se sentir doente.  Essa frequência de monitoramento da glicemia representa um equilíbrio sustentável entre fornecer segurança adequada para identificar a deterioração gradual e evitar sobrecarga nesta população geralmente pouco aderente.

Terapia Farmacológica

 Adolescentes obesos assintomáticos que apresentam menos descompensação, HbA1c <8,5% e função renal normal, podem ser iniciados apenas com metformina, com alta probabilidade de sucesso inicial. 

 Aqueles que são sintomáticos, sem acidose ao diagnóstico e HbA1c > 8,5% devem ser tratados inicialmente com insulina basal enquanto a metformina é iniciada e titulada.

 Em pacientes com cetose/cetoacidose, o tratamento com insulina subcutânea ou intravenosa deve ser iniciado para corrigir rapidamente a hiperglicemia e o distúrbio metabólico. Assim que a acidose for resolvida, a metformina deve ser iniciada enquanto a terapia com insulina subcutânea é continuada.

Pacientes assintomáticos com HbA1c inicial > 9% a 10% também podem iniciar a terapia com insulina basal uma vez ao dia para permitir a recuperação suficiente da função das células B para depois continuar ao tratamento com monoterapia com medicação oral.

Se as metas glicêmicas não forem mais atingidas com metformina (com ou sem insulina basal), a terapia com liraglutida (um agonista do receptor de peptídeo 1 semelhante ao glucagon) deve ser considerada em crianças de 10 anos de idade ou mais, caso elas não tenham histórico médico anterior ou família história de carcinoma medular da tireoide ou neoplasia endócrina múltipla tipo 2. Por fim, além da metformina, nenhum agente hipoglicemiante oral está aprovado para uso em adolescentes, e poucos estudos foram relatados até o momento, embora uma série de ensaios clínicos com agentes mais novos estejam em vários estágios de desenho e execução.

Conclusões

Diabetes mellitus tipo 2 no jovem ainda é um assunto emergente e, devido ao complexo cenário biopsicossocial em que os pacientes estão inseridos, é notável a dificuldade no recrutamento e na conclusão dos programas de pesquisa, deixando grandes lacunas no conhecimento a respeito da fisiopatologia e da otimização do tratamento. Assim, por suas diferenças e peculiaridades, quando comparado com o adulto, é preciso debater e estudar mais sobre a temática.

AUTORIA: Taísa Nogueira

Instagram: @taisaa_mn