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Intoxicação por benzodiazepínicos | Colunistas

Intoxicação por benzodiazepínicos | Colunistas

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Intoxicação exógena é o conjunto de efeitos nocivos causados pela exposição do organismo a agentes biológicos ou químicos. As manifestações clínicas e laboratoriais apresentadas revelam desequilíbrio orgânico produzidos pela interação do agente tóxico em questão com o sistema biológico. 

Segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX), a intoxicação medicamentosa representa a maior parte dos casos de intoxicação exógena no Brasil e é um problema de saúde pública alarmante. A exposição a doses nocivas de medicamentos pode ocorrer devido a consumo inadequado, ingestão acidental ou até mesmo ocasional, como em tentativas de suicídio.

Os benzodiazepínicos constituem um grupo de psicotrópicos muito comumente utilizados na prática clínica e por isso merecem atenção especial quanto aos riscos de uso indevido e intoxicação!

O que são os benzodiazepínicos e como agem?

            Os benzodiazepínicos são uma classe de fármacos com ação ansiolítica, hipnótica, miorrelaxante e anticonvulsivante. É uma das principais causas de intoxicação medicamentosa, mas, apesar de sua alta morbidade, possui baixa letalidade. Eles agem potencializando a resposta ao ácido gama-aminobutírico (GABA), que representa o principal neurotransmissor inibitório do Sistema Nervoso Central.

Os alvos de ação são os receptores GABA tipo A (GABAA), os quais são compostos por cinco subunidades α, β e γ inseridas na membrana pós-sináptica. Para cada subunidade, existem vários subtipos e a fixação do GABA ao seu receptor inicia a abertura do canal iônico central e gera influxo do íon cloreto, o que causa hiperpolarização do neurônio, afasta o potencial pós-sináptico do valor limiar e inibe a formação dos potenciais de ação. Essa ação causa depressão generalizada dos reflexos da medula e do sistema ativador reticular e, em casos de dosagem excessiva ou exacerbação do efeito por outras substâncias depressoras do SNC, pode evoluir para estado de coma, depressão respiratória e morte.

OBSERVAÇÃO: os benzodiazepínicos fazem com que ocorra o aumento da frequência de abertura do canal de cloreto e não o aumento da permanência dos canais abertos!

Dependendo do tipo e do número de subunidades e da localização cerebral, a ativação dos receptores resulta em diferentes efeitos farmacológicos. Os benzodiazepínicos modulam os efeitos GABA ligando-se a um local específico de alta afinidade na interface da subunidade alfa e da subunidade gama 2, e sua ligação aumentará a afinidade do GABA por seus locais de ligação (e vice-versa) sem realmente alterar o número total de locais.

Figura 1. Diagrama esquemático do complexo canal íon cloreto-GABA-benzodiazepínico.

Fonte: Whalen, K.; Finkel, R.; Panavelil, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

Ações e usos terapêuticos

  • Redução da ansiedade;
  • Ações hipnóticas e sedativas;
  • Amnésia retrógrada;
  • Anticonvulsivantes;
  • Relaxamento muscular.

Dose tóxica

Não há dose tóxica de benzodiazepínicos estabelecida, mas estima-se que seja cerca de 15 a 20 vezes a dose terapêutica. Como esses fármacos causam tolerância, a ingestão de doses altas em usuários crônicos pode não produzir efeitos preditivos.

Manifestações clínicas em intoxicações

  • Intoxicação leve a moderada: sonolência, sedação, fala arrastada.
  • Intoxicação grave: coma com depressão respiratória, hipotensão, hipotermia, depressão do sistema nervoso central, ataxia, tremores, miose, hiperexcitabilidade.
  • Síndrome de abstinência: pode ser precipitada pela descontinuação abrupta após longo tempo de uso de benzodiazepínicos.

ATENÇÃO: associação com álcool ou com outros depressores potencializa os efeitos dos benzodiazepínicos!

Diagnóstico

O diagnóstico é realizado através da história clínica e exame físico, atentando para os sintomas, para o tempo de exposição do paciente à droga (isso vai ajudar na escolha do tratamento!) e a dosagem consumida. O diagnóstico complementar inclui análise sérica e urinária para detecção de metabólitos de benzodiazepínicos (não é sensível para todas as substâncias e um teste negativo não exclui a intoxicação).

Além disso, pode-se: monitorar ECG, solicitar eletrólitos, função hepática, função renal, hemograma, glicemia, radiografia ou tomografia computadorizada (na suspeita de trauma).

Tratamento

O manejo do paciente com intoxicação por benzodiazepínicos inclui:

  • Medidas de suporte: manter permeabilidade das vias aéreas (avaliar necessidade de intubação orotraqueal), oxigenoterapia, monitorar sinais vitais, obter acesso venoso calibroso e coletar amostras biológicas para exames de rotina e toxicológico.
  • Atentar para hipotensão e hipotermia;
  • Descontaminação: lavagem gástrica e carvão ativado (1g/kg de peso corpóreo, dose máxima de 50g, diluindo-se cada 1g em 8ml de solução) dentro de 1 hora a partir da exposição.
  • A lavagem gástrica não é indicada em casos leves e moderados, apenas em casos graves;
  • Antídoto específico: flumazenil (antagonista de receptor GABA/antagonista de receptor de benzodiazepínico); utilizado apenas em casos de coma (Glasgow < 8) e/ou depressão respiratória e situações envolvendo sedações iatrogênicas, pois, embora ele reverta os efeitos sedativos, possui meia-vida muito curta e não justifica uso em outras situações.
Esquema de administração 1:
– Primeira dose de 0,2mg via endovenosa.
– Se não houver reversão dos sintomas em 30 segundos, administrar 0,3mg.
– Se ainda não houver resposta, administrar 0,5mg, em doses subsequentes, a cada 30 segundos, até reversão do quadro clínico.
– Dose máxima: 3mg  

Esquema de administração 2:
Dose inicial é de 0,1 a 0,2 mg IV em 15 a 30 segundos e repetida conforme a necessidade até a quantidade máxima de 1 mg.  

ATENÇÃO: em casos graves poderá ser necessária infusão contínua de 0,1 a 1 mg/h.

Efeitos adversos do flumazenil:

  • Tontura;
  • Náusea;
  • Êmese;
  • Agitação.

Contraindicações do uso do flumazenil:

  • Usuários crônicos de benzodiazepínicos, pois pode desenvolver síndrome de abstinência (tremores, ansiedade, disforia e, em casos graves, psicose e convulsões);
  • Pacientes sem rebaixamento significativo do nível de consciência;
  • História de convulsões ou uso de anticonvulsivantes;
  • Paciente com possibilidade de uso concomitante de antidepressivos tricíclicos.
  • Sintomáticos:
  • Hipotensão: administração de solução salina; raramente é necessário uso de drogas vasoativas.

OBSERVAÇÃO: os casos suspeitos de intoxicação devem ser notificados!

Conclusão

As intoxicações medicamentosas representam um alarmante problema de saúde pública, sendo responsáveis por maior parte das intoxicações no Brasil. As intoxicações por benzodiazepínicos merecem grande atenção devido a sua alta morbidade, apesar de baixa letalidade. Estes são fármacos comumente usados na prática clínica devido às suas várias ações: ansiolítica, hipnótica, miorrelaxante e anticonvulsivante. Devemos ficar atentos aos sinais preditivos de intoxicação e nunca esquecer da história clínica, que vai nos conduzir diante do caso, afinal… A clínica é soberana!

Autor: Stephanie Kischener Seif

Instagram: @tete_seif

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Referências:

  1. Farmacologia clínicaGUIMARÃES, F. S. Hipnóticos e ansiolíticos. In: FUCHS, F. D, WANNMACHER, L. Farmacologia clínica: Fundamentos da terapêutica racional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p.711-727.
  2. Farmacologia Ilustrada – Whalen, K.; Finkel, R.; Panavelil, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
  3. Prescrição de benzodiazepínicos para adultos e idosos de um ambulatório de saúde mental: https://www.scielosp.org/article/csc/2016.v21n4/1267-1276/
  4. Hipnóticos: http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2004/RN%2012%2004/Pages%20from%20RN%2012%2004-5.pdf
  5. Manual de Toxicologia Clínica: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/MANUAL%20DE%20TOXICOLOGIA%20CLÍNICA%20-%20COVISA%202017.pdf
  6. Intoxicações exógenas no Brasil: um problema de saúde pública: http://publicacoesacademicas.unicatolicaquixada.edu.br/index.php/mostracientificafarmacia/article/view/2305
  7. Benzodiazepínicos: uma revisão sobre o uso, abuso e dependência: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/26847
  8. Boletim epidemiológico intoxicação exógena: http://www.riocomsaude.rj.gov.br/Publico/MostrarArquivo.aspx?C=VmRvKK2FbUE%3D
  9. Farmacologia dos Benzodiazepínicos – Tudo em um só lugar! – https://www.sanarsaude.com/portal/carreiras/artigos-noticias/farmacologia-dos-benzodiazepinicos-farmacocinetica-bdz
  10. Epidemiologia das intoxicações medicamentosas registradas no Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas de 2012-2016: https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/saudpesq/article/view/7260
  11. Intoxicação medicamentosa: http://www.faema.edu.br/revistas/index.php/Revista-FAEMA/article/view/449
  12. https://www.sanarmed.com/resumos-intoxicacao-por-benzodiazepinicos
  13. Intoxicações medicamentosas por benzodiazepínicos: http://www.atenas.edu.br/uniatenas/assets/files/magazines/INTOXICACOES_MEDICAMENTOSAS_POR_BENZODIAZEPINICOS.pdf

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