Carreira em Medicina

Resumo de Meningite: epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, transmissão, diagnóstico, tratamento e quimioprofilaxia

Resumo de Meningite: epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, transmissão, diagnóstico, tratamento e quimioprofilaxia

Compartilhar
Imagem de perfil de Graduação Médica

Meningite é uma doença que resulta de um processo inflamatório das meninges, principalmente da aracnoide e pia-máter, e do líquido cefalorraquidiano (LCR). Este processo inflamatório resulta de uma infecção que pode ter diversos agentes etiológicos, dentre eles bactérias, virus, fungos e parasitas. 

Pode ser dividida em meningite bacteriana e meningite asséptica. O termo meningite asséptica refere-se a pacientes que apresentam evidências clínicas e laboratoriais de inflamação meníngea com culturas bacterianas de rotina negativas.  Dentre as meningites assépticas tem-se as meningites virais e as criptocócicas (causadas por fungos).

Todos os casos suspeitos de meningite devem ser notificados e investigados, uma vez que a meningite está incluída na Lista Nacional de Doenças de Notificação Compulsória.

Epidemiologia da Meningite

A meningite bacteriana é um problema de saúde pública mundial, com incidência anual de 4-6 casos/100 mil adultos. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a taxa de incidência é 1,4 caso/100 mil habitantes/ano, e letalidade de 22,2%.

A bactéria Neisseria meningitidis (meningococo), a S. pneumoniae e os vírus são os principais responsáveis por surtos e epidemias, sendo as bactérias responsáveis por 80% dos casos. Desde o início da vacinação no Brasil em 1990, o número de casos de meningites por meningococo caiu drasticamente, mas permanece sendo o principal responsável por epidemias no país e possui vários sorogrupos, sendo o sorogrupo C o mais prevalente. 

A meningite meningocócica possui alta morbidade e letalidade. Entretanto, a meningite viral é mais frequente que a bacteriana, sendo caracterizada geralmente por quadros benignos e autolimitados, com baixa letalidade e menor risco de sequelas. 

Etiologia

Os principais agentes bacterianos são: Neisseria meningitidis (meningococo), Streptococcus pneumoniae (pneumococo) e Haemophilus influenzae. Mas também são agentes causadores de meningite o Mycobacterium tuberculosis, Streptococcus sp. – especialmente os do grupo B -, Streptococcus agalactie, Listeria monocytogenes, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter sp.

Entre os causadores das meningites virais têm-se os Enterovírus (Poliovírus, Echovírus e Coxsackie-virus), Adenovírus, Vírus herpes simples tipo 1 e 2 – HSV, HIV 1.

Os principais fungos causadores de meningite são a C. neoformans e a C. gattii. Outros fungos que também podem causar meningite, mas de forma menos frequente, são: Candida albicans, Candida tropicalis, Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis, Aspergillus fumigatus.

Existem ainda casos de meningite causadas por protozoários e helmintos, dentre eles: Toxoplasma gondii, Toxoplasma cruzi, Plasmodium sp, Infecção larvária de Taenia solium e Cysticercus cellulosae (cisticercose).

Fisiopatologia

Componentes desses micróbios são importantes agentes causadores de inflamação meníngea, causando liberação para dentro do espaço subaracnóideo de várias citocinas pró-inflamatórias. Essas citocinas parecem aumentar o fluxo de leucócitos para dentro desse espaço. Essas e outras alterações podem contribuir para o aumento da pressão intracraniana e alterações no fluxo sanguíneo cerebral, além de edema cerebral. 

Vale ressaltar que a meningite criptocócica tem caráter predominantemente oportunista, manifestando-se principalmente em indivíduos com estado imunológico comprometido (aids ou outras condições de imunossupressão). Entretanto, a espécie C. gattii pode acometer indivíduos imunocompetentes.

Transmissão

A transmissão da maioria das etiologias ocorre através do contato com secreções respiratórias do portador do agente patogênico, e por isso acomete principalmente indivíduos com contato íntimo. Já as meningites virais (especificamente causadas por enterovírus) geralmente são transmitidas por via fecal-oral.

A invasão à barreira hematoencefálica nas meningites bacterianas pode ocorrer através de 3 mecanismos: 

  • Acesso direto – nos casos de fraturas de crânio, defeito congênito de fechamento do tubo neural e iatrogênica (punção liquórica inadequada).
  • Acesso por contiguidade – otites médias, mastoidites ou sinusites.
  • Via hematogênica: ultrapassa a barreira hematoencefálica por ligação com receptores endoteliais, lesão endotelial ou em áreas mais susceptíveis, como o plexo coróide.

Já nas meningites virais, a invasão ao SNC ocorre por via hematogênica, no caso dos enterovirus, ou por via neuronal, no caso do HSV.

Quadro clínico da Meningite

A meningite de modo geral manifesta-se com febre de início súbito, associada à cefaleia, prostração, náuseas, vômitos, hiporexia, rigidez de nuca, mialgia, agitação, fotofobia e sinais meníngeos. A tríade: febre + rigidez de nuca + mudança no estado mental não é tão comum em jovens, apresentando-se com mais frequência em pacientes com idade > 60 anos. 

Já nos neonatos e lactentes, o quadro é caracterizado por irritabilidade, baixa aceitação da dieta, hipertonia/hipotonia, febre, convulsões, choque séptico, convulsão, abaulamento de fontanela e grito meníngeo. A presença de rigidez da nuca quase nunca está presente.

A meningite bacteriana pode se apresentar através de três síndromes, que não necessariamente estarão presentes de forma concomitante:

  • Síndrome toxêmica: Queda acentuada do estado geral, febre alta, delirium, e quadro confusional.
  • Síndrome da Hipertensão Intracraniana (HIC): Cefaleia, náuseas e vômitos.
  • Síndrome da irritação meníngea: Rigidez nucal, sinal de Kernig, sinal de Brudzinsk e desconforto lombar.

Já a meningite viral, devido ao seu principal agente etiológico, o enterovírus, está muito relacionada a manifestações gastrointestinais (vômitos, hiporexia, diarreia e dor abdominal), respiratórias (tosse, faringite) e ainda erupção cutânea. Ao exame físico, o paciente apresenta-se com bom estado geral associado aos sinais de irritação meníngea.

A meningite criptocócica deve ser pesquisada em pacientes que apresentem cefaleia, febre, demência progressiva e confusão mental na vigência de alguma condição que altere seu sistema imune, como na AIDS. 

Diagnóstico de Meningite

Ao exame físico, deve-se sempre investigar sinais de irritação meníngea através de dois sinais:

  • Sinal de Brudzinski: flexão involuntária da perna ao se tentar fletir a cabeça do paciente
  • Sinal de Kernig: flexão passiva da coxa sobre a bacia, em ângulo reto, com dor e resistência à extensão do joelho.
A – Sinal de Brudzinski. B – Sinal de Kernig.

Entretanto, apesar de importante, o exame físico não é o suficiente para fechar o diagnóstico de meningite. Para isso, é necessário a análise do LCR, principalmente o exame quimiocitológico, e a cultura. A punção lombar (se não houver contraindicação) e a coleta de sangue para cultura devem ser realizadas antes do início da antibioticoterapia.

A punção lombar (PL) está contraindicada nos casos de piodermite no local da punção, aumento da pressão intracraniana com risco de herniação cerebral e/ou trombocitopenia e coagulopatia.

A tabela abaixo mostra as características do exame quimiocitológico do LCR de cada etiologia de infecção meníngea, com as alterações que as diferenciam.

Características do exame quimiocitológico do LCR, e as alterações características de cada agente etiológico.

A Tomografia Computadorizada (TC) de crânio não é feita rotineiramente para o diagnóstico de meningite, mas deve ser solicitada antes da PL nos pacientes com suspeita de meningite bacteriana que apresentam um ou mais dos seguintes fatores de risco: 

  • Estado imunocomprometido (por exemplo, infecção por HIV, terapia imunossupressora, transplante de órgão sólido ou células hematopoiéticas) 
  • História de doença do sistema nervoso central (SNC) (lesão em massa, acidente vascular cerebral ou infecção focal) 
  • Novo início de convulsão (dentro de uma semana após a apresentação)
  • Papiledema
  • Nível anormal de consciência 
  • Déficit neurológico focal

Tratamento de Meningite

Antes de instituir a terapia medicamentosa, deve-se atentar para a hospitalização imediata dos casos suspeitos e precaução respiratória para gotículas durante as primeiras 24 horas de antibioticoterapia. Também deve-se lembrar de coletar as amostras para exames diagnósticos e de realizar a notificação do caso à Secretaria Municipal de Saúde para a investigação epidemiológica. 

A antibioticoterapia deve ser empírica  imediatamente após a obtenção do LCR,  conforme a suspeita clínica e direcionada às bactérias mais prováveis ​​com base na idade do paciente e doença comórbida subjacente. Após os resultados da coloração de Gram do LCR, regime antimicrobiano deve ser adaptado para cobrir o patógeno mais provável. 

Esquema de terapia antibiótica empírica para meningites bacterianas.

Não há indicação de tratamento antiviral específico. O tratamento é sintomático e com medidas de suporte, associado a acompanhamento clínico. A terapia antiviral só é recomendada no caso de meningite herpética, e essa deve ser realizada com aciclovir endovenoso

Quimioprofilaxia da Meningite

Recebem indicações de quimioprofilaxia com Rifampicina:

  • Todos os contatos próximos de um caso de doença meningocócica, independente do estado vacinal
  • Contato próximo com casos de doença invasiva por Haemophilus influenzae.
  • Profilaxia para o profissional de saúde: indicada somente para casos com exposição às secreções respiratórias e vômitos do doente, ou permanência por mais de 4 horas com o doente sem uso de EPI. 

O esquema de profilaxia inclui o uso de Rifampicina com inicio em até 48h, e duração de 10 a 30 dias, além de monitorização dos contatos por 10 dias. Para os menores de um ano contactantes não vacinadas, deve ser utilizada a vacina tetravalente nas meningites por H. influenzae.

Posts relacionados:

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças Infecciosas e Parasitárias. BRASÍLIA / DF novembro. Acesso em: 01 de maio de 2021.

GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina Interna. 24. ed. SaundersElsevier, 2012

HASBUN, Rodrigo. Clinical features and diagnosis of acute bacterial meningitis in adults. UpToDate, Inc., 2019. Acesso em: 01 de maio de 2021.

HASBUN, Rodrigo. Initial therapy and prognosis of bacterial meningitis in adults. UpToDate, Inc., 2019. Acesso em: 01 de maio de 2021.

Lopes AC. Clínica médica: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Atheneu, 2013.

TUNKEL, Allan. Asseptic meningitis in adults. UpToDate, Inc., 2020. Acesso em: 01 de maio de 2021.