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Definição
O glomérulo consiste em um emaranhado capilar que, junto à cápsula de Bowman, forma a primeira porção do néfron: o corpúsculo renal. As doenças que acometem o glomérulo são denominadas de glomerulopatias, podendo ser primárias ou secundárias. Elas podem ser agrupadas em diversas síndromes clínicas de acordo com suas manifestações, de modo que a diferenciação entre a causa sindrômica é identificada a partir do padrão de lesão glomerular. Dessa forma, a biópsia renal é vital no decorrer da história clínica e diagnóstica das glomerulopatias relacionadas à síndrome nefrótica.
A síndrome nefrótica consiste no conjunto de doenças glomerulares relacionadas ao aumento de permeabilidade da membrana basal glomerular (MBG) às proteínas plasmáticas, levando à proteinúria (>3,5 g/1,73m²/dia), e, consequentemente, à hipoalbuminemia e a edema. Outros achados comuns nas enfermidades nefróticas são a hiperlipidemia e a hipercoagulabilidade (tromboembolismo).
Epidemiologia
A epidemiologia da síndrome nefrótica varia de forma considerável de acordo com a glomerulopatia que a causa. De forma geral, considerando as etiologias mais importantes, pode-se dizer que a ordem decrescente de prevalência é: glomeruloesclerose segmental e focal (GESF), nefropatia membranosa (NM), doença por lesão mínima e glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP).
Fisiopatologia da síndrome nefrótica
No que concerne à proteinúria, as teorias mais antigas referiam-se a alterações elétricas na MBG como as mais prováveis responsáveis pela filtração aumentada de proteínas. Hoje, artigos mais recentes destacam a importâncias dos podócitos enquanto barreiras anátomo-celulares importantes na passagem dessas macromoléculas do sangue para os túbulos renais. Novos estudos também descrevem um fator genético importante para o desenvolvimento da proteinúria: a ausência do gene NPHS1, que codifica uma proteína denominada nefrina, responsável pela adesão celular interpodocitária.
A hipoalbuminemia ocorre como consequência direta da proteinúria – se mais proteínas estão sendo excretadas do corpo e se a albumina é a proteína mais abundante no plasma, logo os níveis de albumina estarão reduzidos.
O edema ocorre por dois mecanismos. O primeiro (underfill) se relaciona à hipoalbuminemia, uma vez que essa manifestação leva à redução da pressão oncótica do sangue, uma das forças que se opõem à passagem de líquido do espaço intravascular para o interstício. O outro mecanismo proposto (overfill) se refere à hiperatividade dos túbulos renais na reabsorção de sódio e água, levando a um quadro de hipervolemia. O aumento do volume circulante, então, aumenta a pressão hidrostática dos vasos sanguíneos, promovendo edema.
A hiperlipidemia é uma resposta à proteinúria. A redução dos níveis de pressão oncótica estimula a proteção de lipoproteínas pelos hepatócitos por um mecanismo desconhecido. Nota-se um aumento acentuado do colesterol circulante, em especial das lipoproteínas de baixa densidade (LDL). Outros dois mecanismos sugeridos são o decréscimo no catabolismo da VLDL e a diminuição da atividade dos receptores de LDL. Ressalta-se que esses mecanismos podem atuar em conjunto, não sendo mutuamente excludentes.
A hipercoagulabilidade se relaciona, também, à proteinúria, posto que ela promove o predomínio de fatores pró-coagulantes em detrimento dos fibrinolíticos. São perceptíveis o aumento dos níveis de fatores V, VII e VIII, hiperfibrinognemia, redução dos níveis de antitrombina III e proteína S, dentre outros. Nota-se, também, um aumento do número de plaquetas e de sua agregação.
Os principais quadros clínicos relacionados á síndrome nefrótica são: podocitopatias (glomeruloesclerose segmentar e focal – GESF –, doença de lesão mínima – DLM – e outras), glomerulopatia membranosa e glomerulonefrite membranoproliferativa. A seguir, descreveremos cada uma delas, bem como seus métodos diagnósticos e condutas terapêuticas.
Podocitopatias (DLM e GESF)
As podocitopatias são aquelas que afetam o complexo podócito-membrana de fenda. Podem ser oriundas da ordem genética, ambiental ou idiopática. Elas decorrem de alterações da permeabilidade do glomérulo à albumina, levando à proteinúria. Outras manifestações vistas são a dislipidemia, o edema e a hipertensão arterial.
Tratando-se de podocitopatias, o que difere a doença por lesão mínima (DLM) da GESF? A DLM se caracteriza pela redução da carga negativa da barreira de filtração glomerular e é cerca de quatro vezes mais prevalente em crianças com menos de 16 nos do que em adultos, com pico de incidência dos 2 aos 6 anos. A cada 8 crianças acometidas por DLM, 7 são do sexo masculino. Ela pode ser idiopática ou genética, estando associada a infecções respiratórias, neoplasias e medicamentos (AINEs e lítio). Achados possíveis são edema de MMII com cacifo, fácies nefrótica, hipertensão (30% dos casos) e hematúria microscópica (20%). Histologicamente, não existem alterações à microscopia óptica; à eletrônica, vê-se MBG normal com união dos pedicelos podocitários. O tratamento é feito à base de corticoides. As taxas de remissão da doença após o tratamento são altas, porém as de recidivas também são frequentes (embora menos). Há risco de indivíduos recidivos se tornarem córtico-dependentes; nesses casos, utiliza-se um agente alquilante, como a ciclosporina em doses baixas.
A glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) é uma das principais causas de síndrome nefrótica, sendo uma das formas mais comuns de glomerulopatias entre adultos (20 a 25%). Acomete mais a população da cor negra. Pode ser idiopática ou genética. Um paciente com GESF apresenta frequentemente, além de proteinúria e edema, hipertensão e hematúria (apesar de não ser uma manifestação nefrótica), evoluindo com perda de função renal. Testes sorológicos e níveis séricos de complemento encontram-se na faixa de normalidade. A remissão espontânea é incomum. À microscopia óptica, nota-se segmentos capilares com sinéquias ou hialinizados, evoluindo para uma esclerose generalizada. Achados comuns nos glomérulos são o aumento da matriz mesangial, hipercelularidade, colapso de alça capilar, depósito de proteínas e aderência à cápsula de Bowman. A melhor conduta terapêutica, no momento, é a corticoterapia prolongada em dose plena por dezesseis semanas com conseguinte redução progressiva da posologia.
Observação. As podocitopatias hereditárias são importantes objetos de estudo. A mutação isolada do NPHS1, que codifica a nefrina, causa a síndrome nefrótica congênita tipo finlandesa, de caráter autossômico e recessivo, que se caracteriza por proteinúria muito elevada ainda na vida intruterina. A mutação isolada do gene NPHS2, que codifica a podocina, causa síndrome nefrótica autossômica recessiva com resistência ao corticoesteroide. É necessário elucidar que o componente genético pode ter participação não apenas nas enfermidades previamente mencionadas nessa observação, como também na DLM e na GESF.
Nefropatia membranosa (NM)
A NM é a principal glomerulopatia nefrótica que acomete a população da cor branca, do sexo masculina e da faixa etária entre 45 e 50 anos. Ela é predominantemente de caráter idiopático (60 a 80% dos casos), mas pode ocorrer em associação a quadros de infecções (notoriamente sífilis, HBV e HCV), LES, medicações (sais de ouro) e certos tumores sólidos.
Clinicamente, a proteinúria da NM varia de 5 a 10 g/dia. Manifestações comuns incluem disfunção renal, hipertensão arterial e hematúria microscópica (principalmente em crianças). Os índices de remissão são moderadamente elevados, mas cerca de um quarto dos pacientes evolui para insuficiência renal em até duas décadas. Uma complicação comum da NM é a trombofilia, que se manifesta comumente como trombose de veia renal ou embolia pulmonar.
A lesão é, basicamente, restrita à MBG. Anátomo-patologicamente, costuma-se classificar a NM em estágios (I a IV). No estágio I, vê-se glomérulos normais na microscopia óptica (MO) e depósito de imunocomplexos na imunofluorescência (IF); no estágio II, encontra-se o mesmo na IF, porém a MO já mostra a formação de espículas enegrecidas em resposta ao depósito de imunocomplexos. No estágio III, esses depósitos são integrados à MBG, visível tanto em MO quanto em IF. No estágio IV, nota-se, um espessamento difuso e homogêneo da MBG à microscopia óptica; a IF é negativa ou fracamente positiva.
Fatores associados a um pior prognóstico de NM são: idade avançada, sexo masculino, síndrome nefrótica persistente, HAS, redução da taxa de filtração glomerular (TFG) e lesão tubulointersticial associada. O tratamento mais indicado é a terapia com corticoides.
Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP)
A GNMP se caracteriza por alteração da capacidade proliferativa mesangial com inflamação da alça capilar. Ela acomete mais pessoas jovens (menos de 30 anos – 70% dos casos) e mulheres (discreto predomínio – 52 a 58% dos casos). Apesar de poder se manifestar como síndrome nefrítica, a forma nefrótica é amplamente mais comum. Achados comuns são proteinúria assintomática, hipertensão arterial (95% dos casos) e redução da TFG (40 a 60% dos pacientes).Nota-se uma redução persistente dos níveis séricos de complemento (hipocomplementemia), principalmente pela queda de C3. Esse é um achado importantíssimo para o diagnóstico diferencial, já que DLM, GESF e NM possuem níveis normais de complemento.
Anátomo-patologicamente, costuma-se classificá-la em tipos I, II e III. No tipo I, vê-se hipercelularidade mesangial com expansão da matriz e duplicação da MBG à microscopia óptica (MO) e depósitos imunes subendoteliais à imunofluorescência (IF). O tipo II corresponde à doença de depósitos densos. O tipo III, à MO, caracteriza-se por proliferação celular e duplicação de alças capilares (depósitos subendoteliais da GNMP tipo I + espessamento da MBG e formação de espículas). À IF, o tipo III mostra depósitos granulares difusos de C3, IgE e IgM no mesângio e nas alças capilares.
Fatores associados a um pior prognóstico são a presença de crescentes, manifestação nefrótica, insuficiência renal, HAS e lesão tubulointersticial. O tratamento inespecífico envolve iECA + ARA-II (estabilizar proteinúria > 1,0 g/dia e PA < 130×80 mmHg). O tratamento específico com corticoesteroides, até o momento, mostrou-se efetivo apenas em crianças.
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Autores, revisores e orientadores:
Autor(a): Gabriel Martins Nogueira
Revisor(a): Camila Silva Bastos
Orientador(a): Drª Bárbara Maria Oliveira de Souza