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A febre reumática (FR) é uma doença inflamatória, sistêmica, deflagrada pelo ue se manifesta como uma sequela tardia não supurativa de uma infecção respiratória das vias aéreas superiores causada pelo Streptococcus pyogenes, ou seja, um estreptococo beta-hemolítico do grupo A.
Esse comprometimento pode afetar o funcionamento das articulações, da pele e tecido subcutâneo, do sistema nervoso central e do coração, sendo esse último passível de sofrer um processo de cronificação, lesionando de forma permanente estruturas cardíacas, como suas válvulas (principalmente a esquerda).
Epidemiologia da febre reumática
A FR afeta principalmente crianças e jovens adultos. Isso ocorre por conta da altíssima incidência de faringoamigdalite estreptocócica em indivíduos de 5 a 18 anos, mundialmente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 10 milhões de casos de faringotonsilite a cada ano, levando a aproximadamente 30.000 casos de febre reumática aguda (FRA).
A doença reumática cardíaca (DRC) tem baixa incidência nos países desenvolvidos, com 0,1 a 0,4 casos/1.000 escolares nos EUA, enquanto no Brasil esses valores chegam a 7 casos/1.000 escolares, ressaltando a importância das condições socioeconômicas e de fatores ambientais.
Fisiopatologia
Como já foi dito, para haver a FR, a infecção estreptocócica beta-hemolítica deve ser faríngea, ou seja, não é considerados outros sítios de infecções desses patógenos. Os mecanismos fisiopatológicos da febre reumática consistem na resposta inflamatória autoimune do corpo em relação aos estreptococos do grupo A.
Essa reação decorre por conta de um mimetismo molecular, que consiste na semelhança química e estrutural entre alguns componentes patogênicos e do tecido acometimento. Nesse caso, o cardíaco.
Isso ocorre quando os anticorpos produzidos contra certos antígenos estreptocócicos, por exemplo, a proteína M da parede celular desses seres, induzem uma reação cruzada com as células do tecido cardíaco, principalmente os cardiomiócitos. Essa resposta depende da ação de linfócitos T e B, além da produção local de citocinas, causando lesões inflamatórias autoimunes.
Quadro clínico de febre reumática
O surgimento desse quadro sintomatológico ocorre após um período de latência, antecedido pela infecção estreptocócica, gerando em torno de 2 a 4 semanas, em média 19 dias.
As principais manifestações clínicas decorrentes da Febre Reumática podem ser subdivididas nas seguintes categorias:
- Sintomas constitucionais: Representado principalmente pela febre. Pode haver anorexia e mal-estar, mas não são específicos para FR.
- Sinais e sintomas cardíacos: Cardite é a apresentação mais incidente. É bem comum a existência de sopros, por contado acometimento crônico das valvas (principalmente a esquerda). Pode existir pericardite e insuficiência cardíaca, sendo essa última resultante da possível lesão valvar;
- Sinais na pele: Marcado principalmente pelo eritema marginado serpiginoso e de nódulos subcutâneos próximos as articulações;
Sinais articulares: Principalmente pela poliartrite, podendo haver ou não artralgia;
Sinal neurológico: Marcado pela coreia de Sydenham.
Diagnóstico de febre reumática
O diagnóstico de FR é clínico, não exibindo manifestação sintomatológica ou exame laboratorial específicos que sejam patognomônicos. Atualmente, o diagnóstico de febre reumática ainda se baseia em um grupo de critérios: os critérios de Jones. Esses critérios foram revistos a intervalos irregulares por associações médicas americanas – correntemente, a American Heart Association (AHA). De acordo com a última revisão, publicada em 2015, foram feitas duas principais mudanças em relação ao grupo de critérios até então vigentes, de 1992.
Esses critérios foram divididos em maiores e menores a partir da especificidade Assim, a probabilidade do paciente ter adquirido o primeiro surto de FR é alta quando, além de evidências de infecção por estreptococos do grupo A (titulação de ASLO, cultura positiva de orofaringe, positividade em testes rápidos de detecção de antígenos estreptocócicos), o paciente apresenta pelo menos 2 critérios maiores OU 1 critério maior + 2 critérios menores.
Para pacientes que já tenham tido o surto inicial de FR, os critérios permanecem os mesmos relacionados acima para as populações de baixo risco e de risco moderado a alto – o que muda é o número mínimo de critérios a serem preenchidos. Para esses indivíduos, além do preenchimento de dois critérios maiores ou de um maior e dois menores (como no surto inicial), pode-se considerar também a possibilidade do preenchimento de três critérios menores como diagnóstico de recidiva da doença, independentemente do grupo de risco a que o paciente pertença.
Tratamento de convulsão
A primeira medida terapêutica é a erradicac¸ão do agente infeccioso deflagrador, o Streptococcus -hemolítico do grupo A, Seu objetivo principal consiste em impedir a disseminação do agente patógeno, além de impedir uma possível recidiva no paciente com FR.
Portanto, atua como uma profilaxia. É feita com o uso de penicilina G benzantina, IM (1.200.000 U para crianças com mais de 20 kg e 600.000 U para aquelas até 20 kg) em dose única. Esquemas alternativos incluem penicilina V oral, Amoxicilina ou Ampicilina.
Em pacientes alérgicos à penicilina e derivados, é preconizado o uso de eritromicina VOdurante 10 dias OU azitromicina VO (20mg/kg/dia, uma vez ao dia) durante 3 dias.
Tratamento dos sintomas maiores:
- Artrite: Uso de AINES VO, por aproximadamente 7-10 dias, como ácido acetilsalicílico (80-100mg/kg/dia), OU naproxeno (10-20mg/kg/dia), ibuprofeno (30-40mg/kg/dia) OU cetoprofeno (1,5mg/kg/dia).
- Cardite: É preconizado administrar prednisona VO (1 a 2 mg/kg/dia), com dose máxima de 60 mg/dia. Pode ser optado usar uma dose plena, fracionada em duas ou três tomadas diárias, durante 15 dias. Após a administração inicial, reduzir 20-25% da dose, por semana; Em caso conjunto de artrite e cardite, deve-se optar pelo corticoide (CO) ao invés do AINES. Pode ser necessário tratamento cirúrgico na cardite refratária ao tratamento clínico padrão, como ocorre em pacientes com lesões de valva mitral com ruptura de cordas tendíneas ou perfuração das cúspides.
Coreia: Uso de haloperidol VO (1 mg, 2x/dia). Aumentar 0,5 mg a cada 3 dias até encontrar uma boa resposta (melhora de 3⁄4 do movimento) uu até a dose máxima de 5 mg/ dia. Tem duração de 3 meses.
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