Carreira em Medicina

Terapia de reposição hormonal feminina: manejo da pós-menopausa

Terapia de reposição hormonal feminina: manejo da pós-menopausa

Compartilhar
Imagem de perfil de Prática Médica

O termo terapia de reposição hormonal é utilizado para a referência ao tratamento com estrogênio isolado ou estrogênio associado a progesterona, em mulheres na pós-menopausa.

A escolha da prescrição e/ou manutenção da TRH depende diretamente da avaliação clínica individual e de uma decisão compartilhada com a paciente, após a exposição dos potenciais benefícios e riscos associados. Vias de administração, tempo de duração do tratamento e seguimento clínico devem ser considerados na decisão clínica.

Quando reposição hormonal é indicada?

A TRH é recomendada não somente na fase pós-menopáusica fisiológica, mas também em casos de menopausa cirúrgica, insuficiência ovariana primária e menopausa precoce. As principais indicações de TRH na menopausa fisiológica devido ao envelhecimento são:

  • Tratamento de sintomas vasomotores
  • Síndrome genitourinária
  • Prevenção de osteoporose e fraturas osteoporóticas.

Os sintomas vasomotores têm a reposição hormonal como a primeira linha de tratamento. Um estudo de revisão recente demonstrou uma redução de 75% na ocorrência e de 87% na intensidade dos sintomas com a introdução da TRH, após 1 mês de uso.

Em pacientes com queixa de redução de libido, a preferência é a via transdérmica, que possui menor efeito em aumentar a SHBG e consequentemente, reduzir os níveis de testosterona livre em comparação com a via oral.

Com relação à síndrome geniturinária, a principal linha de tratamento para casos leves são os lubrificantes vaginais não hormonais associados ao estímulo à atividade sexual (promove aumento do fluxo sanguíneo vaginal).

Quais os tipos de terapia hormonal?

A terapia hormonal, tópica ou sistêmica, traz benefícios de redução dos sintomas atróficos e urinários. Causando um efeito proliferativo no epitélio vaginal, uretral e da bexiga.

A terapia local estrogênica tem evidência de melhora dos sintomas de forma mais consistente, devendo ser prescrita em casos moderados a severos de atrofia urogenital. Caso também haja dispareunia e presença de sintomas vasomotores, a TRH sistêmica via oral ou transdérmica é recomendada, podendo ser associada a terapia local se necessário.

Tanto a terapia via oral quanto a estrogenioterapia local aumentam a lubrificação vaginal, o fluxo sanguíneo e a sensibilidade da mucosa vaginal, resultando em melhora da dispareunia. Porém, a melhora da disfunção sexual é discreta. Alterações de interesse sexual, excitação, orgasmo ou desejo sexual hipoativo tipicamente não melhoram com o uso da TRH.

Quando prescrever?

Em mulheres abaixo de 60 anos e menopausada há menos de 10 anos, sem evidência de doença cardiovascular prévia, o início da terapia estrogênica reduz o risco cardiovascular e mortalidade geral. Além de trazer benefícios nos níveis lipídicos, na função endotelial e no metabolismo da glicose.

Essa redução do risco cardiovascular superaria os riscos relacionados ao Pequeno aumento da incidência de tromboembolismo venoso.

Quais os benefícios da TRH?

A TRH possui evidências de benefício em diversos aparelhos do corpo feminino. Além da melhora dos sintomas vasomotores e da prevenção de osteoporose e fraturas por fragilidade, a TRH também pode agir no:

  • Distúrbios do humor e do sono
  • Resistência insulínica e na prevenção do diabetes
  • Demência
  • Melhora da qualidade de vida e na prevenção de doenças cardiovasculares quando iniciada dentro da janela de oportunidade.
  • Proteção para o desenvolvimento de câncer colorretal.

Quais os riscos da TRH?

Os principais riscos da terapia de reposição hormonal feminina são:

  • Cardiovascular
  • Tromboembólico
  • Câncer de mama

Risco cardiovascular

Sabe-se que a TRH reduz a progressão da aterosclerose durante a menopausa inicial. Em fases mais tardias pós-menopausa, ela promove desestabilização das placas de aterosclerose avançadas, predispondo a eventos cardiovasculares. Isso explicaria o efeito dicotômico da TRH, a depender do momento em que ela fosse iniciada. Em pacientes maiores de 60 anos ou com mais de 10 anos de menopausa, observou-se um aumento no risco de:

Mesmo considerando o efeito protetor cardiovascular durante a janela de oportunidade, não é recomendado a prescrição de TRH para as pacientes assintomáticas com objetivo de proteção cardiovascular. Mulheres em que a TRH foi introduzida após 10 anos de menopausa obtiveram aumento no risco de mortalidade por eventos cardiovasculares.

Tromboembólico

Os dados do estudo “WHI” demonstraram um aumento do risco de desenvolvimento de episódios de trombose venosa profunda (TEV) foram aumentados com uso de estrogênio via oral isoladamente.

Há um maior risco nos primeiros 2 anos de terapia estrogênica. Naquelas que iniciaram a TRH antes dos 60 anos, esse risco é raro. O uso da forma transdérmica parece ter melhor perfil de segurança em relação ao perfil tromboembólico, mas é preciso mais estudos na área.

Risco de câncer de mama com a Terapia de Reposição hormonal

Esse tema ainda controverso na literatura. Pelos dados do estudo Women’s Health Initiative (WHI), o risco de câncer de mama sob uso da Terapia Hormonal EstrogênioProgestativa é baixo. Esse risco é estimado em cerca de 0,1% ao ano. Já sob terapia isolada com estrogênio, o mesmo estudo observou uma redução no risco de câncer de mama, embora não significativa estatisticamente.

Os potenciais efeitos da TRH sob o risco de neoplasia mamária dependem da:

  • Via e dose administrada
  • Duração do uso
  • Regime hormonal utilizado
  • Exposição prévia
  • Fatores de risco
  • Características individuais.

Contraindicações da terapia de reposição hormonal

A terapia de reposição hormonal pode ser prescrita desde que não haja contraindicações.

Abaixo, na tabela, estão as principais contraindicações:

Contraindicações da TRH na menopausa
Doença hepática descompensada
Câncer de mama
Lesão precursora do câncer de mama
Câncer de endométrio
Sangramento vaginal de causa desconhecida
Porfiria
Doença coronariana
Doença cerebrovascular
Lúpus eritematoso sistêmico
Doença trombótica ou tromboembólica venosa
Meningioma – apenas para progestagênio
Fonte: Nahas EA, Nahas Neto J. Terapêutica hormonal: benefícios, riscos e regimes
terapêuticos. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
(FEBRASGO); 2018.

Regimes terapêuticos

Os esquemas terapêuticos podem ser classificados como:

  • Estrogênio isolado ou em associação com progestágenos
  • Esquemas sequenciais ou contínuos
  • Sistêmicos ou locais
  • Orais ou transdérmicos.

Estrogênio isolado ou em associação com progestágenos

Em pacientes que possuem útero, o uso de estrogênio isolado pode predispor a ocorrência de hiperplasia endometrial e câncer de endométrio. Isso ocorre porque há estímulo contínuo do estrogênio sem oposição da progesterona sobre o endométrio leva a proliferação celular desenfreada e desorganizada.

Portanto, todas as pacientes que possuem útero devem realizar TRH combinada com uma associação de estrogênio com um progestágeno, para a proteção endometrial. Para as pacientes histerectomizadas, podemos utilizar a terapia estrogênica isolada.

Os estrogênios sistêmicos disponíveis no Brasil são o estrogênio equino conjugado (EEC) e o estradiol (E2), comercializado na forma de 17 betaestradiol ou valerato de estradiol, que é o estrogênio natural. Ambos podem ser empregados por via oral, porém, apenas o E2 pode ser usado na forma transdérmica (adesivo ou gel), conforme observado na tabela a seguir:

TiposVias de administração
17-beta-estradiol micronizadoOral
EstradiolTransdérmica/Percutâneo (gel)
Valerato de estradiolOral
Estrogênios conjugadosOral
Estriol Vaginal ou oral
PromestrienoVaginal
estrogênios na TRH

Os progestágenos são compostos sintéticos elaborados com objetivo de manter a proteção endometrial e a potência hormonal. Eles permitem os efeitos benéficos do estrogênio com mínimos efeitos colaterais. Os efeitos dos progestágenos não se limitam aos receptores progesterona. Eles também podem atuar em receptores estrogênicos, mineralocorticoides e androgênicos. A potência da ação em cada um desses receptores e sua seletividade em relação ao receptor de progesterona é o que determina seus efeitos colaterais. Dessa forma, esse é o fator que deve ser levado em conta no momento da seleção do progestágeno.

Uma outra forma de se administrar progestágenos é por meio do dispositivo intrauterino (DIU) de levonorgestrel, o Mirena®. A secreção contínua de levonorgestrel intracavitária pelo DIU é suficiente para proteger o endométrio contra os efeitos proliferativos da reposição estrogênica.

Sequencial ou contínua

O regime contínuo consiste no uso de estrogênio e progesterona sem pausas. Na forma sequencial, o estrogênio é mantido de forma contínua e a progesterona é administrada por 12 a 14 dias no mês, apenas com função de proteção endometrial.

Quando iniciada a TRH já na perimenopausa, é importante investigar se há sintomas de irregularidade menstrual e sangramento uterino anormal, que ocorrem principalmente devido a alternância entre ciclos ovulatórios e anovulatórios. O regime cíclico de progestágeno administrado na segunda fase do ciclo irá corrigir exatamente esta deficiência, repondo a progesterona que não está sendo adequadamente produzida devido à deficiência de formação de corpo lúteo.

Sistêmicos ou locais

O uso de esquemas sistêmicos, sejam orais ou transdérmicos, é indicado em pacientes que apresentam com sintomas vasomotores. Eles são usados na prevenção de fraturas relacionadas à osteoporose e na atrofia urogenital moderada a grave e/ou na falha terapêutica com terapia estrogênica local.

A terapia estrogênica local vaginal é uma opção segura e eficaz no tratamento da síndrome urogenital da menopausa. Tendo resultados superiores ao tratamento sistêmico em relação ao alívio dos sintomas clínicos da atrofia vulvovaginal e dos resultados citológicos vaginais. Pode ser utilizada em associação com a TRH sistêmica em casos de sintomas genitais refratários ao uso do estrogênio oral/transdérmico.

Orais ou transdérmicos

O estrogênio administrado por via oral é absorvido pelo trato gastrointestinal e levado pela circulação até o sistema porta hepático. Dessa forma ocorre a chamada “primeira passagem hepática”.

O estímulo estrogênico no fígado leva a expressão de proteínas e aumento de fatores pró-trombóticos, o que se traduz clinicamente em maior risco de eventos trombóticos quando se utiliza a via oral.

Apesar de este risco ser pequeno, de 1/1000 mulheres usuárias de Terapia de Reposição hormonal oral entre 50-59 anos, prefere-se evitar esta via em pacientes que já apresentam risco cardiovascular aumentado. Além disso, a via oral apresenta um maior potencial de elevação do HDL e redução do LDL, com concomitante elevação dos níveis de triglicerídeos e VLDL. A atuação no metabolismo lipídico também é decorrente da ativação da síntese proteica no fígado, havendo aumento da expressão de apolipoproteínas B pelo fígado.

Por outro lado, a via transdérmica não apresenta a primeira passagem hepática. Pportanto, o estradiol consegue atuar em seus órgãos efetores sem levar à ativação da síntese hepática de forma tão expressiva. Desta forma, não está relacionado ao aumento do risco de TVP e TEP. Porém, não gera aumentos de HDL, redução do LDL e não altera triglicerídeos.

Como e quando suspender a terapia de reposição hormonal

O uso da TRH deve ser mantido pelo menor tempo necessário para alívio dos sintomas. Contudo, estender os esquemas hormonais por períodos mais prolongados é aceitável. Pode-se continuar com esquema em pacientes com:

  • Manutenção de sintomas com adequado acompanhamento clínico
  • Benefícios da TRH que superem os riscos associados ao seu uso.

Quais são as opções alternativas?

Dentre as principais alternativas, estão:

  • Tibilona
  • Androgênios

Tibolona

A tibolona é um esteroide sintético que tem ação tripla em receptores de estrogênio, progesterona e androgênios. Dessa forma, ela age no:

  • Controle dos sintomas vasomotores
  • Sintomas urogenitais
  • Manutenção da densidade mineral óssea

Devido a sua ação androgênica, associada à redução da proteína carreadora, o SHBG, com consequente aumento da testosterona livre, a tibolona está associada também a melhora de sintomas como a perda de libido, fadiga e a sarcopenia, com melhora do bem-estar geral.

Também é utilizada em casos de mastalgia em uso de terapia estroprogestativa, visto que ela não estimula a proliferação mamária e nem aumenta a densidade das mamas.

Androgênios

A produção androgênica na mulher ocorre nos ovários (25%), glândulas adrenais (25%) e pela conversão em tecidos periféricos (50%). A concentração de androgênio muda de acordo com a idade e a fase do ciclo menstrual, havendo um pico próximo à ovulação. Com o envelhecimento, ocorre uma redução drástica dos níveis de androgênios, acompanhada pela queda dos níveis de SHBG. Isso confere certo equilíbrio nas concentrações de androgênios livres circulantes. Por este motivo, as reposições androgênicas não devem ser baseadas na identificação de “deficiências” por meio de exames laboratoriais. Sendo assim, a suspeita de deficiência androgênica é clínica, com a identificação de redução do desejo sexual, fadiga persistente, redução da força muscular e alteração da função cognitiva e da memória.

A terapia androgênica atualmente é recomendada como adjuvante naterapia do desejo sexual hipoativo em mulheres pós-menopausa, sem contraindicações ao uso de TRH. Apesar dos efeitos benéficos na função sexual, com melhora dos escores de satisfação sexual e aumento no número de episódios sexuais satisfatórios em mulheres menopausadas, devemos sempre lembrar que a função sexual é extremamente complexa e multifatorial, envolvendo fatores psicológicos, sociais, hormonais e culturais. Uma abordagem multidisciplinar é recomendada e a testosterona pode ser administrada como um adjuvante nesse tratamento.

A suplementação androgênica pode levar a piora do perfil lipídico, com aumento de triglicerídeos e LDL, especialmente quando são utilizados de forma isolada, sem associação com estrogênios. Além disso, podem levar à resistência insulínica e sintomas de hiperandrogenismo, como clitoromegalia, hirsutismo e acne.

Dosagem de testosterona

A dosagem de testosterona deve ser realizada no início do tratamento e repetida no seguimento, após 3 meses, para afastar uso abusivo da medicação. O uso tem de ser feito em associação com a TRH.

A via transdérmica é a escolha, sem alterações no perfil lipídico ou metabolismo de carboidratos. A via oral deve ser evitada, uma vez que há primeira passagem hepática da testosterona, com piora dos níveis lipídicos, ativação do sistema renina-angiotensina e fatores de coagulação, levando ao aumento do risco de eventos cardiovasculares e tromboembólicos.

Perguntas frequentes sobre reposição hormonal

  1. Qual a principal indicação?

Mulheres na menopausa para o tratamento de sintomas vasomotores, da síndrome genitourinária e a prevenção de osteoporose e fraturas osteoporóticas.

2. Qual a faixa de idade que posso prescrever?

Em mulheres abaixo de 60 anos e menopausada há menos de 10 anos, sem evidência de doença cardiovascular prévia.

3. Até quando usar a terapia de reposição hormonal?

O uso da TRH deve ser mantido pelo menor tempo necessário para alívio dos sintomas.

Conheça nossa pós em ginecologia!

O curso da Sanar é totalmente focado no aprimoramento da prática clínica. Tem tudo que o profissional precisa para alcançar a excelência no atendimento dos pacientes e muito mais.

[SABER MAIS SOBRE O CURSO DA SANAR]

Referência bibliográfica

  • AZAM S, et al. Hormone replacement therapy and mammographic density: a systematic literature review. Rev Springer Link, 2020; 182(3): 555–579.
  • BERAL V, et al. Type and timing of menopausal hormone therapy and breast cancer risk: individual participant meta-analysis of the worldwide epidemiological evidence. The lancet., 2019; 394(10204): 1159-1168.

Sugestão de leitura complementar