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Febre: fisiopatologia, sinais, sintomas relacionados e mais

Febre: fisiopatologia, sinais, sintomas relacionados e mais

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Aprenda mais sobre a febre, fatores que podem causá-la, como pode se manifestar e a melhor conduta para o seu paciente! Bons estudos!

A febre é um dos sintomas que mais denunciam um evento infeccioso, embora também esteja presente em doenças autoimunes e autoinflamatórias. Por esse motivo, é importante que o médico generalista não apenas saiba reconhecer o quadro febril, mas também manejá-lo da melhor forma possível.

Mas afinal: o que de fato é a febre?

A febre consistitui a elevação da temperatura corporal acima da faixa de normalidade associada a um aumento no ponto de ajuste hipotalâmico.

Esse parâmetro associado ao ponto talâmico é especialmente importante, considerando que é isso que diferencia uma febre de uma hipertermia. Sendo assim, na hipertermia não há alteração no centro hipotalâmico, diferente da febre.

Aind, é importante ter em mente que a febre não é uma doença, é um mecanismo de resposta do organismo a alguma anomalia.

Parâmetros de temperatura corporal normal: como saber se é uma febre?

Para que a febre seja identificada, são necessárias algumas convenções de temperaturas corporais normais. Além dessas temperaturas estáticas, as variações de temperaturas ao longo do dia também são convencionadas.

Em estudos de grande magnitude, concluiu-se que uma faixa de normalidade esperada de temperatura corporal é de 35.3ºC a 37,7ºC, com uma média de 36,7ºC. Ainda, considerando variações corporais, tem-se temperaturas:

  • Axilar: 36,7º;
  • Oral: 37,8ºC;
  • Retal: 38ºC.

Ao longo do dia, a temperatura corporal pode variar, ainda, cerca de 0.5ºC, ou mesmo ultrapassar 1,0ºC.

Controle hipotalâmico da temperatura corporal: entendendo a febre

A capacidade de regular a temperatura corpórea é uma características dos animais homeotérmicos.

Para que esse equilíbrio seja exercido, a atuação do hipotálamo se faz protagonista no processo. Esse órgão encefálico é constantemente informado a respeito da temperatura corporal, por meio de:

  • Termorreceptores periféricos;
  • Neurônios, com função secundária de termorregulação.
Figura 1: Mecanismo de termorregulação.

Sendo assim, o hipotálamo trabalha como um termostato, ajustado para a manutenção da temperatura de órgãos internos próxima à 37ºC.

Através do equilíbrio entre a perda de calor periférica, como vemos na imagem, e a produção interna de calor pelo metabolismo orgânico.

Fisiopatologia da febre: como o seu processo ocorre?

A febre ocorre pela ação de fatores pirogênicos sobre o centro termorregulador do hipotálamo, elevando o limiar térmico e desencadeado respostas metabólicas de produção e conservação de calor. Algumas dessas respostas são:

  • Tremores;
  • Vasoconstrição periférica;
  • Aumento do metabolismo basal.

A conservação de calor, então, pode se dar por meio de 2 vias: humoral 1 e humoral 2.

Via humoral 1 e a febre

A via humoral 1 consiste na ativação dos receptores TLR-4 na barreira hematoencefálica por fatores exógenos (principalmente microorganismos).

Esses pirogênicos exógenos estimulam os leucócitos a liberar pirogênios endógenos como a IL-1 e TNF que aumentam as enzimas (ciclo-oxigenases) responsáveis ​​pela conversão de ácido araquidônico em prostaglandina.

No hipotálamo, a prostaglandina, principalmente a prostaglandina E2, promove a ativação de receptores do núcleo pré-óptico, levando ao aumento do ponto de ajuste hipotalâmico.

Via humoral 2 e a febre

Quanto à via humoral 2, pode ocorrer de forma direta ou indireta.

No caso da via indireta, as citocinas irão ativar os receptores TLR-4 na barreira hematoencefálica, desencadeado toda a sequência descrita na via humoral 1.

Já na via direta, as citocinas funcionam diretamente no núcleo pré-óptico, aumentando o ponto de ajuste hipotalâmico .

Quando a temperatura ultrapassa o novo limiar, são desencadeados interruptor de dissipação de calor (vasodilatação periférica, sudorese e transpiração) que tendem a reduziri-lá novamente. Desta forma, na resposta febril a termorregulação é preservada, ainda que em nível mais elevado, mantendo-se inclusive o ciclo circadiano fisiológico (temperatura máxima entre 16 e 20hrs, mínima entre 4 e 6hrs).

Os principais pirogênios endógenos são os IL-1 e IL-6, o TNF e o IFN e, mais recentemente ouvido, a IL-8 e o MIP-1. Já os pirogênios exógenos principais são os microorganismos intactos, produtos microbianos, complexos imunes, antígenos não-microbianos, drogas e outros agentes farmacológicos.

Sinais e sintomas relacionados à febre

Os sinais e sintomas da febre estão envolvidos com as respostas metabólicas à ação dos pirogênios. Podem ser observados calafrios, piloereção, extremidades frias (em decorrência da vasoconstrição periférica), posição fetal , taquicardia, taquipnéia, taquisfigmia, oligúria, náusea e vômito, convulsões (principalmente em crianças), delírios e confusão mental, astenia , inapetência e cefaleia, sudorese (após a cessação da febre).

Devem ser persistentes as seguintes características semiológicas da febre: início, intensidade, duração, modo de evolução e termo . O início pode ser súbito ou gradual, já a intensidade é classificada como leve (até 37,5°C), moderadamente (37,6 a 38,5°C) ou alta (acima de 38,6°C). Em relação à duração, a febre pode ser recente (menos de 7 dias) ou prolongada (mais de 7 dias).

Evolução da febre: como pode ocorrer?

O modo de evolução pode ser avaliado através de um quadro térmico, com verificação da temperatura uma ou duas vezes por dia ou até de 4 em 4 horas, a depender do caso.

Classicamente, são sentidos os seguintes padrões evolutivos:

  • Contínua: permanece sempre acima do normal com variações de até 1 grau, sem grandes oscilações.
  • Irregular ou Séptica: picos muito altos intercalados baixas temperaturas ou apirexia, sem nenhum caráter cíclico nessas variações.
  • Remitente: há hipertermia diária com variações de mais de 1 grau, sem períodos de apirexia.
  • Intermitente: a hipertermia é ciclicamente interrompida por um período de temperatura normal. Pode ser cotidiana, terçã (um dia com febre e outro sem) ou quartã (um dia com febre e dois sem).
  • Recorrente ou Ondulante: semanas ou dias com temperatura corporal normal até que períodos de temperatura elevada ocorram. Durante a fase de febre não há grandes oscilações.

Por fim, o término da febre pode ser súbito ou gradual. O término súbito é chamado de crise e apresenta sudorese profusa e prostrações.

O término gradual é denominado de lise e apresenta uma diminuição da temperatura dia após dia, até alcançar os níveis normais.

Diagnosticando a febre

O diagnóstico de febre é basicamente clínico, ou seja, a aferição da temperatura, juntamente com os principais sinais e sintomas são suficientes.

Pensando na possibilidade de um quadro infeccioso, a anamnese e o exame físico somados ditarão a conduta, incluindo a necessidade de exames complementares e tratamento específico.

A investigação de outras queixas é de extrema importância para o diagnóstico da etiologia da febre. Alguns sintomas podem ser simplesmente associados ao quadro febril, como mialgia, cefaléia e fraqueza. Porém alguns outros já são mais indicativos da etiologia, por exemplo, tosse produtiva e dispneia podem apontar uma pneumonia.

O padrão cronológico também é muito importante para o diagnóstico da causa da febre. Febres com intervalos de 1-2 dias estão relacionadas com malária (Plasmodium vivax e P. falciparum, respectivamente). Por outro lado, febre recorrente pode ser observada em pacientes com HIV, linfoma de Hodgkin ou outros linfomas.

Outro diferencial no diagnóstico da etiologia da febre é saber se o paciente está vindo da comunidade ou estava previamente internado. No caso do paciente internado, pode-se pensar em infecções hospitalares e aumento de temperatura secundário a agentes e procedimentos. Já em pacientes vindos da comunidade, além das causas infecciosas, deve-se pensar em causas neoplásicas, colagenoses e processos inflamatórios.

Em boa parte dos casos de febre, os exames complementares não são de extrema importância, porém, nos casos em que são necessários, os exames devem ser dirigidos e condizentes com a suspeita diagnóstica. As situações em que mais se obtém benefício de exames complementares são as febres de origem indeterminada (FOI), apesar da alta prevalência de casos sem diagnóstico (40% dos casos, segundo a literatura).

Febres de origem indeterminada (FOI)

FOI clássica  é caracterizada por temperaturas axilares maiores que 38,3°C em várias ocasiões. Outra característica é a febre com duração de mais de três semanas e impossibilidade de estabelecer um diagnóstico após três consultas ambulatoriais ou três dias de internamento hospitalar.

Já considerando a FOI nosocomial deve-se encontrar temperaturas acima de 38,3 °C em pacientes internados com ausência de infecção ou doença incubada à admissão. O pré-requisito mínimo é pelo menos três dias de internação com pelo menos dois dias de incubação de culturas.

Por outro lado, a  FOI neutropênica é febre também é superior à 38,3°C naqueles pacientes que possuem neutrófilos com valor absoluto menor que 500, ou nos quais exista expectativa de queda para tais valores em 1 a 2 dias.

FOI associada ao HIV é quando se encontra febre superior à 38,3°C em várias ocasiões em pacientes infectados pelo vírus HIV.

As principais etiologias da FOI são:

  • Infecções
  • Neoplasias
  • Doenças inflamatórias não-infeccioas
  • Miscelânea.

Tratando a febre: como abordar?

O foco do tratamento deve ser tratar a causa da febre e não apenas a febre isoladamente. Alguns autores trazem o fato de que em algumas doenças o padrão da febre pode ser muito útil para o diagnóstico e, por isso, não deveria tratá-la de imediato.

Ainda, pensando devido a sintomas possivelmente associados, como cefaleia, mialgia, artralgia e mal-estar durante a febre, medicações sintomáticas podem ser associadas à antipirética. Não é necessário manter medicação de forma a evitar a elevação da temperatura no paciente (medicação de horário), bastando deixar a medicação em uso de acordo com a temperatura. Os principais antipiréticos são:

  • Dipirona: medicação bastante utilizada em nosso meio, apesar de ser preterida e até mesmo não disponível em outros países. Possui uma potente ação antitérmica e analgésica, porém não possui ação anti-inflamatória.
    • IM/IV: 2 a 5mL; dose máxima diária: 10mL.
    • VO: 500mg a 1g/dose até 4x/dia.
  • Paracetamol: droga mais utilizada no mundo para combate à febre. Tem ação antitérmica, antiinflamatória e analgésica.
    • Apresenta risco de hepatotoxicidade (em geral se paciente fizer uso de  >4g/dia).
    • VO: 500mg a 1g/dose até 4x/dia.
  • Ácido Acetilsalicílico (AAS): mais antigo dos antitérmicos. Possui ação antitérmica, antiinflamatória e analgésica. Atualmente, tem sido pouco utilizado no combate à febre.
    • Contra-indicado em casos de dengue e história de hipersensibilidade; cautela com pacientes com história de sangramento por úlcera péptica, outros sangramentos e trombocitopenia.
    • VO: 300 a 900mg/dose de 4/4hrs ou 6/6hrs.

Mapa mental de Febre

Mapa Mental Entendendo a Febre - Sanar Medicina

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Perguntas frequentes

  1. O que é a febre?
    A febre é a elevação da temperatura corporal acima da faixa de normalidade associada a um aumento no ponto de ajuste hipotalâmico.
  2. Quais são as temperaturas basais axilar, oral e retal?
    Axilar: 36,7º;
    Oral: 37,8ºC;
    Retal: 38ºC.
  3. Quais são as possíveis causas da febre?
    As possíveis causas são devido à trauma, infecção ou inflamação.

Referências

  1. Kasper DL, Fauci AS, Longo DL, Baunwald E, et al.: Harrison´s Principles of Internal Medicine, McGraw-Hill, 16ª edição: Dinarello CA, Gelfand JA, Fever and Hyperthermia: Capítulo 16.
  2. KUMAR, V.; ABBAS, A.; FAUSTO, N. Robbins e Cotran – Patologia – Bases Patológicas das Doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
  3. Lambertucci JR, de Ávila RE, Voieta I. Febre de origem indeterminada em adultos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 507-513, nov-dez 2005.
  4. GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de Fisiologia Médica. 11 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
  5. Figura 1.