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Urgência e emergência em pediatria: protocolos e estratégias para o internato

Urgência e emergência em pediatria: protocolos e estratégias para o internato

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Índice

Saiba tudo sobre urgência e emergência em pediatria, aprenda a manejar o quadro e torne seu internato mais tranquilo!

O conhecimento e a compreensão dos protocolos e estratégias de atendimento em emergências pediátricas desempenham um papel crucial na formação de médicos e profissionais de saúde que lidam com a população infantil.

A natureza singular da pediatria, aliada à sua complexidade clínica, demanda uma abordagem estruturada e direcionada, visando a garantir a prontidão e a eficácia no manejo dessas situações emergenciais.

Continue a leitura desse artigo e fique por dentro de tudo que você precisa saber sobre o assunto. Vem com a gente!

Caracterização do atendimento em urgência e emergência em pediatria

Antes de qualquer coisa, é importante a definição e distinção conceitual entre emergência e urgência. Embora sutil, a  diferenciação conceitual é crucial para a correta identificação dos casos clínicos e para a prontidão na adoção de condutas. 

Assim, urgências referem-se a situações clínicas que requerem atendimento médico em um período breve, visando evitar possíveis complicações.

Emergências, por sua vez, correspondem a condições que demandam intervenção imediata, em virtude do risco iminente à vida e integridade do paciente.

Características específicas da urgência e emergência em pediatria

Como já falamos, a pediatria tem suas peculiaridades. Algumas características são específicas dessa área na urgência e emergência. 

Polimorfismo clínico

A população pediátrica apresenta uma vasta gama de apresentações clínicas, cuja sintomatologia pode variar significativamente em relação aos adultos.

A compreensão desse polimorfismo clínico constitui uma habilidade fundamental para o médico no momento de estabelecer um diagnóstico assertivo.

Resposta fisiológica diferenciada

Os mecanismos fisiológicos de resposta ao estresse e à doença em crianças diferem dos observados em adultos. Isso requer uma avaliação cuidadosa e adaptada à faixa etária, a fim de evitar equívocos diagnósticos e intervenções inadequadas.

Alguns fatores que precisamos estar atentos são:

Frequência cardíaca

As crianças, especialmente os lactentes, tendem a ter frequências cardíacas e respiratórias mais elevadas em relação aos adultos.

Essa resposta fisiológica pode dificultar o reconhecimento de sinais de deterioração clínica e a identificação precoce de sepse ou outras emergências.

Volume sanguíneo

O volume sanguíneo relativo à massa corporal é maior nas crianças do que nos adultos. Isso pode levar a uma diluição dos sinais clínicos de choque, tornando o diagnóstico e o tratamento mais desafiadores.

Além disso, a capacidade de compensação em caso de perda sanguínea também pode ser menor nas crianças.

Reserva funcional

A reserva funcional dos órgãos e sistemas em crianças é menor do que em adultos. Isso significa que o estresse fisiológico e a descompensação podem ocorrer mais rapidamente em crianças do que em adultos.

Portanto, a avaliação precoce e o tratamento adequado são cruciais para evitar complicações graves.

Imaturidade imunológica

O sistema imunológico das crianças ainda está em desenvolvimento, o que pode afetar a resposta inflamatória diante de uma infecção.

As crianças podem ter uma resposta inflamatória menos pronunciada, o que pode dificultar o diagnóstico precoce de sepse.

Além disso, a imaturidade do sistema imunológico pode tornar as crianças mais suscetíveis a infecções graves.

Dificuldade na comunicação

Crianças mais novas ou aquelas que ainda não dominam plenamente a linguagem podem ter dificuldade em expressar seus sintomas e desconfortos de maneira clara.

Isso exige dos profissionais de saúde uma avaliação cuidadosa e a consideração de sinais e sintomas não verbais, como alterações de comportamento, choro inconsolável ou recusa alimentar.

Protocolos de atendimento em urgência e emergência em pediatria

Inicialmente é necessário ter uma abordagem sistematizada. A aplicação de uma avaliação sistemática e abrangente é de suma importância, tendo em vista a detecção precoce de alterações clínicas e a instituição de medidas terapêuticas imediatas. 

O uso de ferramentas de triagem validadas, como a Escala de Manchester, pode contribuir para uma identificação rápida e precisa do nível de gravidade do paciente.

A adoção de critérios de priorização adequados, como o Sistema de Classificação de Risco, permite a distribuição adequada dos recursos disponíveis e a atenção prioritária aos casos de maior complexidade, maximizando a eficiência do atendimento.

Leia mais sobre os sistemas de classificação de risco: Admissão na UTI: você conhece a prioridade e como ela funciona?

Existem alguns protocolos importantes para sistematizar o atendimento. 

Protocolo de Suporte Básico e Avançado de Vida Pediátrico (PALS)

O Suporte Básico e Avançado de Vida em Pediatria (PALS – Pediatric Advanced Life Support) é um programa desenvolvido para fornecer diretrizes e treinamento aos profissionais de saúde que cuidam de crianças em situações de emergência.

O PALS é baseado em evidências científicas atualizadas e oferece um conjunto de protocolos e estratégias específicos para o manejo de emergências pediátricas.

Ele enfatiza a importância da avaliação rápida e precisa, do suporte de vias aéreas e respiratório adequado, do suporte circulatório efetivo e do manejo das arritmias cardíacas em crianças.

O objetivo principal do PALS é melhorar os desfechos clínicos e reduzir a morbidade e a mortalidade em emergências pediátricas.

Passo a passo do PALS

  1. Avaliação inicial: Os profissionais de saúde são treinados para reconhecer rapidamente as situações de emergência, avaliar o nível de gravidade e priorizar o atendimento com base na classificação de risco pediátrico.
  2. Via aérea e ventilação: manutenção de uma via aérea desobstruída e da adequada ventilação em crianças, incluindo técnicas de ventilação com bolsa-máscara, intubação endotraqueal e uso de dispositivos supraglóticos.
  3. Ressuscitação cardiopulmonar (RCP): fornece diretrizes atualizadas para a realização de RCP em crianças, incluindo a aplicação adequada de compressões torácicas, ventilação e o uso de medicações como epinefrina e amiodarona, quando indicado.
  4. Arritmias cardíacas: aborda o reconhecimento e o manejo das arritmias cardíacas mais comuns em crianças, incluindo a fibrilação ventricular, taquicardias supraventriculares e a síndrome do QT longo.
  5. Abordagem de situações de emergência específicas: O PALS inclui diretrizes para o manejo de situações clínicas específicas, como choque, asma grave, crises convulsivas, insuficiência respiratória aguda e intoxicações.

Leia mais sobre o tema: Resumo de PALS: Suportes básicos e avançados de Vida em Pediatria | Colunistas

Protocolos de Atendimento às Principais Emergências Pediátricas

 A definição de protocolos específicos para situações emergenciais comuns em pediatria, tais como crises convulsivas, insuficiência respiratória aguda e sepse, propicia uma abordagem ágil e coerente, pautada nas melhores evidências científicas disponíveis.

Esses serão verificados abaixo, quando apresentarmos as principais doenças encontradas na urgência e emergência pediátrica.

Quais os principais casos urgência e emergência em pediatria?

As principais emergências e urgências pediátricas podem variar de acordo com a faixa etária da criança. Entretanto, algumas condições clínicas são mais comumente encontradas e exigem atendimento médico imediato. Aqui estão algumas das principais:

Parada cardiorrespiratória (PCR): urgência e emergência em pediatria

A parada cardiorrespiratória é uma emergência crítica que requer reanimação imediata, incluindo a aplicação de compressões torácicas e ventilação adequada.

De acordo com o PALS, o manejo adequado da parada cardiorrespiratória em crianças envolve inicialmente a avaliação e ativação do sistema de resposta de emergência. Além disso, é necessário também realizar a verificação da resposta da criança.

Verificação da respiração

Observe a presença ou ausência de respiração normal (observando os movimentos do tórax) por até 10 segundos.

Em caso de ausência de respiração normal ou presença de respiração anormal (por exemplo, gasping), inicie imediatamente as manobras de suporte básico de vida.

Compressões torácicas

Posicione a criança de costas em uma superfície firme e comece a realizar compressões torácicas de alta qualidade.

Para lactentes, utilize a técnica de duas mãos, comprimindo cerca de 1/3 da profundidade do tórax.

Para crianças maiores, utilize a técnica de uma mão ou duas mãos, comprimindo cerca de 1/3 a 1/2 da profundidade do tórax. Realize as compressões a uma taxa de 100 a 120 compressões por minuto, permitindo a reexpansão completa do tórax entre as compressões.

Ventilação

Após cada ciclo de 30 compressões torácicas, forneça duas ventilações de resgate. Utilize uma máscara facial bem ajustada ou uma cânula nasal para administrar as ventilações.

As ventilações devem ser feitas com cuidado, evitando ventilação excessiva, para minimizar a distensão gástrica.

Avaliação do ritmo cardíaco

Após cerca de 2 minutos de RCP de alta qualidade, avalie o ritmo cardíaco da criança.

Se um desfibrilador estiver disponível, verifique o ritmo cardíaco e, se for uma taquiarritmia com pulso, trate-a de acordo com os algoritmos específicos. Caso contrário, continue a RCP.

Administração de medicamentos

Durante a RCP, podem ser necessários medicamentos como adrenalina (epinefrina) e antiarrítmicos para tratar ritmos cardíacos instáveis.

Desfibrilação

Se houver uma arritmia chocável (por exemplo, fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso), aplique um choque elétrico usando um desfibrilador pediátrico com energia adequada para a criança.

Suporte avançado de vida

Após o início da RCP, uma equipe especializada em suporte avançado de vida em pediatria deve assumir o cuidado da criança assim que estiver disponível.

Essa equipe pode realizar procedimentos avançados, como intubação endotraqueal, acesso vascular intraósseo, monitoramento contínuo e administração de medicamentos adicionais.

Insuficiência respiratória aguda: urgência e emergência em pediatria

A obstrução das vias aéreas, a asma grave, a pneumonia grave, o edema pulmonar e outras condições podem levar a uma insuficiência respiratória aguda, caracterizada por dificuldade respiratória intensa e alteração dos gases sanguíneos.

Avalie rapidamente a criança quanto à presença de sinais de insuficiência respiratória:

  • Dispneia;
  • Taquipneia
  • Uso de músculos acessórios para respirar.

Obtenha informações sobre a história clínica da criança, incluindo sintomas prévios, exposições relevantes e fatores de risco.

Manejo da insuficiência respiratória aguda no contexto de urgência e emergência em pediatria

O manejo adequado inclui suporte respiratório, oxigenoterapia e tratamento da causa subjacente. Confira:

  • Monitoramento e suporte das vias aéreas: Mantenha as vias aéreas desobstruídas e forneça oxigênio suplementar conforme necessário.
    • Considere a administração de oxigênio por meio de cânula nasal, máscara facial ou outros dispositivos adequados para a idade da criança.
  • Avaliação da oxigenação e ventilação: Monitore continuamente a oxigenação e a ventilação da criança por meio da oximetria de pulso e da observação dos padrões respiratórios. Observe a saturação de oxigênio e o nível de dióxido de carbono (CO2) no sangue arterial, se disponível.
  • Identificação e tratamento da causa subjacente: Realize uma avaliação detalhada para identificar a causa da insuficiência respiratória aguda. Trate a causa subjacente com medidas apropriadas, como antibióticos, broncodilatadores, diuréticos ou outros medicamentos específicos.
  • Suporte ventilatório: Se a criança não estiver respondendo adequadamente à terapia de suporte básico, pode ser necessário fornecer suporte ventilatório adicional.
    • Isso pode incluir a administração de oxigênio em concentrações mais altas, o uso de dispositivos de pressão positiva nas vias aéreas (como máscara CPAP ou BIPAP) ou a intubação endotraqueal para ventilação mecânica invasiva.
  • Monitoramento e reavaliação contínua: Monitore continuamente os sinais vitais da criança, incluindo frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de oxigênio e nível de consciência. Reavalie a resposta clínica da criança às intervenções realizadas e ajuste o tratamento conforme necessário.

É importante lembrar que o manejo da insuficiência respiratória aguda em crianças requer uma abordagem individualizada, levando em consideração a idade, o peso, as comorbidades e outros fatores clínicos específicos de cada paciente.

Crises convulsivas: urgência e emergência em pediatria

As crises convulsivas podem ser febris ou não febris. Podem ser desencadeadas por diversas condições, como febre alta, epilepsia, infecções do sistema nervoso central ou lesões cerebrais. 

O manejo envolve a garantia da segurança da criança durante a crise, administração de medicamentos anticonvulsivantes quando necessário e investigação da causa subjacente.

Sepse: urgência e emergência em pediatria

A sepse é uma resposta inflamatória generalizada do organismo a uma infecção grave.

A Conferência Internacional de Consenso Pediátrico definiu sepse em crianças como dois ou mais critérios para a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS).

Sinais vitais e valores laboratoriais da síndrome da resposta inflamatória sistêmica pediátrica por idade. Fonte: WEISS; POMERANTZ, UpToDate, 2023.

É preciso que exista o reconhecimento precoce o manejo em até 1h. As principais etapas do protocolo geralmente envolvem o reconhecimento precoce da sepse.

Quadro clínico

É fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos aos sinais e sintomas de sepse em crianças, que podem incluir:

  • Febre;
  • Hipotermia;
  • Taquicardia;
  • Taquipneia;
  • Letargia;
  • Irritabilidade;
  • Diminuição da ingestão alimentar;
  • Erupções cutâneas.

Além disso, a presença de fatores de risco, como prematuridade, imunodeficiência ou infecção recente, deve ser considerada.

Utilizando sistemas de classificação de risco, como o Sistema de Classificação de Risco Pediátrico, é realizada uma avaliação inicial para determinar a gravidade do quadro clínico da criança e priorizar a assistência de acordo com a urgência.

Exames complementares

O protocolo preconiza a realização de exames laboratoriais a fim de identificar a origem da infecção e avaliar os distúrbios metabólicos associados. São eles:

  • Hemograma completo;
  • Eletrólitos;
  • Gasometria arterial;
  • Coagulograma;
  • Cculturas sanguíneas.

Tratamento

O tratamento imediato inclui a administração precoce de antibióticos de amplo espectro e a reposição volêmica agressiva, com o objetivo de estabilizar a pressão arterial e a perfusão tecidual.

Monitoramento contínuo

Durante o manejo da sepse, é essencial monitorar continuamente os sinais vitais, a função respiratória, o equilíbrio hídrico e a perfusão periférica da criança.

Também podem ser realizados exames complementares, como gasometria arterial, exames de imagem e ecocardiografia, para auxiliar na avaliação da resposta ao tratamento e no direcionamento das condutas.

Suporte intensivo

Dependendo da gravidade da sepse, a criança pode requerer suporte intensivo em uma unidade de terapia intensiva pediátrica.

Isso pode incluir suporte ventilatório, terapia de reposição volêmica, suporte cardiovascular, suporte nutricional e controle adequado da temperatura corporal.

Desidratação grave: urgência e emergência em pediatria

A desidratação ocorre quando há uma perda excessiva de fluidos e eletrólitos do organismo. Muitas vezes ocorre devido a vômitos, diarreia, falta de ingestão adequada de líquidos ou doenças como a gastroenterite. 

Nos casos graves, pode haver sinais de letargia, boca e mucosas secas, diminuição da produção de urina e choque. A reposição de líquidos por via intravenosa é essencial para corrigir a desidratação.

Confira na tabela abaixo como é feita a avaliação do estado de hidratação do paciente e e como deve ser feito o tratamento.

Avaliação e tratamento

Etapas de desidratação do paciente. Fonte: Ministério da Saúde.
Planos de tratamento A e B. Fonte: Ministério da Saúde.
Plano de tratamento C. Fonte: Ministério da Saúde.

Lesões traumáticas

Traumas, como quedas, acidentes automobilísticos ou lesões esportivas, são comuns na infância e podem resultar em fraturas, ferimentos na cabeça, lesões abdominais, entre outros. 

A avaliação inicial, estabilização e encaminhamento para um serviço especializado, se necessário, são fundamentais para o manejo adequado dessas emergências.

Além dessas, conheça mais cinco urgências pediátricas e aprenda o manejo clínico de cada uma delas em nosso texto completo: Urgências pediátricas: conheça as cinco principais e seu manejo

Estratégias de atendimento na urgência e emergência em pediatria

Para um bom atendimento no internato de medicina, o estudante deve desenvolver competências clínicas. Para disso, a educação continuada, preceptoria especializada e a comunicação eficaz e empática são de suma importância. 

A urgência e emergência em pediatria exige dos médicos em formação uma sólida fundamentação teórica, aliada à habilidade clínica e à tomada de decisões ágeis. 

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Sugestão de leitura complementar

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Referências

  1. ALVES, C. R. L.; SCHERRER, I. R. S. Semiologia da criança e do recém-nascido. Núcleo de Educação em Saúde Coletiva, Universidade Federal de Minas Geral, 2018.
  2. ARAÚJO, A. H. A. L. et al. A pediatria que todo médico precisa saber. Org: LEMOS, T. E. V. et al. Editora Sanar, 1ªed, 822p, 2021.
  3. MECKLER, G.; SCHWARTZ, H. P. Prehospital pediatrics and emergency medical services (EMS). UpToDate, 2023. 
  4. WEISS, S. L.; POMERANTZ, W. J. Septic shock in children: Rapid recognition and initial resuscitation (first hour). UpToDate, 2023.