Coronavírus

CPI da Covid: tudo que médicos precisam saber

CPI da Covid: tudo que médicos precisam saber

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Desde os primeiros dias de maio, a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) da Covid está ouvindo depoentes e testemunhas para investigar ações e omissões do governo federal durante a pandemia da COVID-19.

A comissão trabalha com um prazo inicial prorrogável de 90 dias para realizar os procedimentos de investigação e elaborar relatório final que será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.

Por enquanto, alguns temas importantes já emergiram das investigações. A seguir, separamos os principais deles para que médicos fiquem bem-informados sobre o assunto. Confira:

A compra de vacinas contra a COVID-19

De acordo com o último balanço da vacinação contra COVID-19, no último domingo (06/06), mais de 71 mil doses já haviam sido aplicadas: 48.977.254 pessoas já receberam a primeira dose, o que representa 23,13% da população, e 22.930.114 pessoas estão imunizadas com as duas doses, quase 11% da população de todos os estados e do Distrito Federal.

As investigações da CPI da Covid, porém, indicam que o número de vacinados poderia ter sido maior se o governo federal não atrasasse as negociações com a farmacêutica estadunidense Pfizer e com o Instituto Butantan.  

Pfizer/BioNTech

A demora na compra da vacina da farmacêutica estadunidense Pfizer é um dos temas mais explorados pela comissão.

Os depoimentos indicam que pelo menos seis autoridades brasileiras – entre elas o presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello – receberam duas cartas da farmacêutica em agosto de 2020 com a oferta total de compra de 140 milhões de doses da Pfizer/BioNTech.

Em seu depoimento, o executivo da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, afirmou que se as ofertas tivessem sido aceitas, o governo brasileiro teria recebido em dezembro as primeiras remessas do imunizante, que só foi oficialmente adquirido em março de 2021. A primeira leva das vacinas chegou para a população brasileira apenas em abril.

CoronaVac

O governo federal teria também atrasado as negociações com o Instituto Butantan para a compra de 60 milhões de doses da CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o instituto brasileiro.

Segundo o depoimento do diretor do Butantan, Dimas Covas, se o contrato tivesse sido assinado na época proposta pelo instituto, em julho e agosto, as primeiras doses do imunizante poderiam ser aplicadas na população já no último trimestre de 2020. O contrato, porém, só foi assinado em janeiro de 2021.

Cloroquina e tratamento precoce

As agências internacionais de saúde já descartaram há muito tempo medicamentos como cloroquina e hidroxicloroquina para tratar a COVID-19.

Estudos com evidências científicas robustas demonstraram que as drogas são ineficientes no combate ao SARS-CoV-2 e podem trazer sérios efeitos colaterais quando usadas fora dos motivos previstos em bula. Leia mais sobre as complicações por uso de medicamentos em “tratamento precoce” contra a COVID-19.

Apesar disso, diversos quadros do governo federal e alguns grupos de médicos insistem na indicação dos medicamentos, contrariando as evidências científicas. Sobre isso, a CPI da Covid trouxe a público a revelação de a gestão federal sugeriu a alteração da bula da cloroquina, por decreto presidencial, para a inclusão da indicação contra o coronavírus.

O fato foi relatado nos depoimentos do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antônio Barra Torres.

Aplicativo TrateCov

Em janeiro, o site do Ministério da Saúde colocou no ar a plataforma Tratecov com o objetivo de “auxiliar os profissionais de saúde na coleta de sintomas e sinais de pacientes visando aprimorar e agilizar os diagnósticos da COVID-19”, como descrito pela pasta na época de lançamento do aplicativo.

O problema é que a plataforma, desenhada para que médicos e enfermeiros insiram dados e sintomas do paciente, trazia a recomendação de medicamentos que não funcionam contra a doença, como a já citada cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina.

A repercussão foi tão negativa que a plataforma foi retirada do ar dias depois. As investigações da CPI da Covid apuram os motivos para isso. Em seu depoimento, Pazuello afirmou que o site ainda era protótipo e que um hacker teria invadido o programa e colocado no ar a versão incompleta.

Já a secretária Mayra Pinheiro contradisse o ex-ministro em seu depoimento ao dizer que o que ocorreu foi uma “extração indevida de dados” e que não houve alteração na plataforma. Ela disse que o site foi retirado do ar para apurar problemas e que não sabia por que não foi recolocado no ar.

Imunidade de rebanho

Outras das linhas de investigação da CPI da Covid é a de que Jair Bolsonaro teria intencionalmente adotado a estratégia de tentar atingir a chamada “imunidade de rebanho” sem vacinas, ou seja, através da contaminação do maior número possível de pessoas.

A imunidade de rebanho (também chamada imunidade de grupo) se refere à proteção indireta de indivíduos suscetíveis quando uma parcela suficiente da população está imune. Essa imunização pode ocorrer pela vacinação em massa ou pela infecção natural.

Como descreve a CNN Brasil, embora o ministério da Saúde não tenha adotado oficialmente a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas, o presidente disse diversas vezes que a contaminação da maioria da população era inevitável e que isso “ajudaria a não proliferar” a doença.

Dentre os principais motivos que indicam ineficiência da imunidade de rebanho contra a COVID-19 está o alto risco de se expor grande parcela da população a um vírus ainda desconhecido e mortal.

Até que uma alta porcentagem da população tivesse anticorpos, ainda mais mortes ocorreriam e os sistemas de saúde estariam ainda mais sobrecarregados do que já estão.  

Um estudo espanhol realizado sobre o assunto e publicado na revista científica The Lancet apontou a ineficácia da estratégia para frear a disseminação do SARS-CoV-2. Os detalhes você encontra aqui.

Negacionismo e “gabinete paralelo” na gestão da Saúde

Alguns depoimentos feitos à CPI da Covid, como o da infectologista Luana Araújo, indicam a existência de um “gabinete paralelo” no governo federal trabalhando à margem do Ministério da Saúde no combate à pandemia.  

A médica chegou a ser anunciada para integrar a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à COVID-19 do Ministério da Saúde, mas não foi nomeada pelo atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga.

Segundo integrantes da CPI, esse gabinete paralelo seria formado por pessoas sem especialização para dar aconselhamentos sobre medidas de saúde pública, uma vez que apostariam em medicamentos ineficazes contra a COVID-19 e em teses equivocadas, como a já citada imunidade de rebanho.

“Existe um gabinete negacionista, um grupo que continua impedindo que os melhores quadros da ciência brasileira possam contribuir no enfrentamento à pandemia”, disse o vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Vale dizer que o combate ao coronavírus no Brasil, quando olhado do ponto de vista da comunicação e marketing, enfrentou os pontos abaixo:

  1. Propagação de medidas e produtos sem eficácia comprovada;
  2. Desrespeito pelas medidas de isolamento social e de proteção individual, com autoridades provocando aglomerações e desprezando o uso de máscaras;
  3. Falta de propagandas nacionais sobre vacinação, diferentemente do que costumava acontecer em outras campanhas de vacinação brasileiras;
  4. Politização do combate ao vírus, com frases que reduzem a complexidade do problema, como “quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma tubaína”.

Soma-se a isso a enxurrada de notícias falsas que se propagam nas redes sociais desde o início da pandemia. Na chamada infodemia, as fake news são entraves na luta contra o vírus, já que elas levam a crenças e convicções que geram ações prejudiciais à saúde individual e coletiva.

A luta contra o vírus será fortemente abalada se a luta contra a desinformação não ocorrer também em paralelo, já que as falsas notícias não são inócuas, pois levam a crenças e convicções, que por sua vez geram ações prejudiciais à saúde individual e coletiva.

Aqui você lê mais informações sobre os perigos da infodemia e dicas de como combater as desinformações sobre a COVID-19. Confira também nosso observatório de fake news sobre a pandemia.