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Quem considera se tornar Psiquiatra precisa saber como é a rotina do residente de Psiquiatria, afinal essa especialidade médica exige muita preparação para quem deseja atuar na prevenção, diagnóstico e tratamento de casos de transtornos mentais e distúrbios.
Os dados mais recentes, da Demografia Médica no Brasil 2018, do Conselho Federal de Medicina (CFM), indicam que o país conta com 10.396 psiquiatras (5 por 100 mil habitantes). Em relação à residência médica em Psiquiatria, o estudo mostra que eram 1.448 médicos cursando a especialidade, que possuía 1.892 vagas autorizadas. Dos 3.441 recém-formados em Medicina em 2018, 171 (4,8% do total) tinham a residência em Psiquiatria como primeira opção.
A Psiquiatria tem residência com duração de três anos e o acesso é direto. Descubra como é esse período essencial na formação do profissional ao conhecer as histórias de:
- Maíra Sandes, residente do R2 pelo Hospital Juliano Moreira.
- Melaine Montenegro, residente do R2 pelo Hupes (Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos)
A escolha da residência em Psiquiatria
Formada pela Unit (Universidade Tiradentes), em Aracaju, Maíra diz que sempre gostou de Psiquiatria, apesar de não ter se fechado para outras especialidades. Além disso, escolheu o Hospital Juliano Moreira por ser uma referência na área.
“Quando fiz Medicina, foi pela Psiquiatria. Quando fiz o internato no [Hospital] Juliano Moreira, me apaixonei. Como é um hospital especializado, você tem contato com pacientes descompensados e com quadros graves. Me senti à vontade, tranquila e achei que iria acrescentar alguma coisa”.
Melaine já era formada em Fonoaudiologia quando decidiu fazer Medicina. Como já trabalhava com crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista), não hesitou na hora de escolher a área em que iria se especializar.
“Ao longo da faculdade de Medicina, esse desejo de trabalhar com TEA foi se desenvolvendo e escolhi Psiquiatria porque me encanta muito. Além disso, achei que poderia ter um entendimento melhor dessas crianças através da especialidade”.
A residente também conta que a escolha da instituição ocorreu naturalmente, pois tinha um desejo antigo de fazer parte da UFBA. “Analisando prós e contras, achei que o Hupes poderia me oferecer uma formação completa e diversificada na área de Psiquiatria”.
Como a residência é dividida
A rotina do residente de Psiquiatria é formada por três anos de especialização. A carga horária é de 60 horas semanais em geral, sendo que 80% a 90% desse tempo deve ser composto por atividades práticas.
No R1, a programação didática traz ciências básicas, avaliação diagnóstica, conhecimentos gerais em ética, políticas públicas e terapêuticas biológicas e psicossociai. Ao mesmo tempo, conta com treinamento em serviços com estágios em Enfermaria, Neurologia, Clínica Médica, Ambulatorial e emergência Psiquiátrica.
No R2, o residente também terá conteúdos de psicopatologia especial, psicoterapia, psiquiatria da infância e adolescência. Da mesma forma, terá aprendizado em serviço em Ambulatório/CAPS/NAPS, interconsulta e emergência em Psiquiatria.
Por fim, o R3 traz programação em psiquiatria geriátrica, forense e comunitária, epidemiologia psiquiátrica. Além disso, também aumenta a atuação em ambulatório, além de treinamento em psicoterapia e reabilitação.
O R1 do Hospital Juliano Moreira é bastante teórico. Residentes estudam Psicopatologia, Psicofarmacologia, participam de discussão de casos clínicos e rodam 9 meses nas enfermarias (masculina e feminina). Além disso, há rodízios de 2 meses na Neurologia, que podem ser no Hupes ou na Fundação de Neurologia e Neurocirurgia.
“Cada residente fica com, no máximo, 10 pacientes internados. Também temos plantões na emergência, que chamamos de SETA [Serviço de Emergência, Triagem e Acolhimento], e ambulatórios de Psiquiatria Geral e de Psicoses, geralmente Esquizofrenia”, detalha Maíra.
No R2, há estágios em enfermaria e interconsulta psiquiátricas e na PIA (Psiquiatria de Infância e Adolescência). Ao longo do ano, os residentes rodam também em ambulatórios de Transtornos de Humor e participam de discussões de casos.
“Temos plantões somente quando estamos na PIA. Teríamos estágio no Hospital DIA, mas como não funcionou durante a pandemia, tivemos o estágio de geriatria para substituir”, explica Maíra.
O R3 possui uma carga horária mais branda. Além do estágio opcional, os residentes têm rodízios em geriatria, psiquiatria forense e psiquiatria de infância e adolescência.
No Hupes, o R1 oferece atividades em enfermarias e ambulatórios de Psiquiatria Geral, além de rodízios em Clínica Médica e no Caps (Centro de Atenção Psicossocial).
“No R2, somos responsáveis pelas interconsultas psiquiátricas e rodamos, praticamente, em atividades ambulatoriais especializadas. Por exemplo: Psicose, Ansiedade e Depressão, Transtorno Bipolar, Uso de Substâncias, entre outras”, acrescenta Melaine.
Já no R3, residentes assumem atividades ambulatoriais em Psiquiatria de Infância e Adolescência, e realizam procedimentos como ECT [Eletroconvulsoterapia] e Aplicação de Cetamina. “Temos também os rodízios optativos, que podem ser no [Hospital] Edgar Santos ou em outro local”.
Alinhando as principais expectativas
Maíra revela que já conhecia um pouco sobre o serviço oferecido pelo Hospital Juliano Moreira. Portanto, antes de entrar na residência, já esperava ter contato com muitos pacientes.
“Estava animada, mas não sabia que seria tão difícil a parte social, pois é a questão social que mais pega. O paciente, muitas vezes, ou não tem família ou a família não foi encontrada. Esse é um dos motivos de termos herdado o módulo dos pacientes crônicos. Então, a questão social só vivenciando que você vê como é difícil”, comenta.
Ao longo da residência, Maíra percebeu que Psiquiatria tem alta demanda. Mas infelizmente a área ainda não é valorizada como deveria.
“Precisamos de Psiquiatria em hospital geral para a equipe perceber como isso é importante. Na interconsulta, você percebe que há poucos leitos para pacientes psiquiátricos com quadro clínico. Precisamos ampliar o atendimento ambulatorial”.
Melaine tinha boas expectativas em relação à sua residência desde o início. Afinal, já queria fazer parte de um serviço organizado, com alto volume de atividades acadêmicas e de pesquisa.
“Esperava uma assistência de qualidade aos pacientes e uma carga horária um pouco menor do que a gente pratica de fato. Muito do que eu esperava, encontrei. O serviço superou minhas expectativas, apesar de termos dificuldades com fornecimento de alguns materiais e problemas na estrutura física do hospital”, ressalva.
O melhor da residência em Psiquiatria
Para Maíra, o ponto positivo em sua residência é o ambiente de trabalho. De acordo com ela, o Hospital Juliano Moreira é acolhedor, com funcionários prestativos e generosos, que ajudam a trazer leveza ao dia a dia.
“Para lidar com pacientes com transtorno mental, você precisa ser empático. Isso, por sua vez deixa o ambiente mais leve. Apesar do sofrimento psíquico evidente, você sempre consegue ajudar o paciente”, conta.
Além disso, a residente destaca como é bom o aprendizado proporcionado pela rotina intensa. “Aqui, as duas enfermarias do R1, juntas, têm cerca de 60 pacientes. Dessa maneira, você consegue se aprofundar bastante. Tem muita prática”.
Melaine também elogia a possibilidade de aprendizado. Além de serem muito capacitados, os preceptores são bem acessíveis e oferecem o melhor suporte aos residentes, diz.
“Também temos um volume de atendimentos muito grande, com ambulatórios especializados e procedimentos que, a nível de SUS, são exclusivos do Hupes, como ECT e Aplicação de Cetamina”, complementa.
O mais difícil
Uma das principais dificuldades da residência é a preceptoria, segundo Maíra. Por não ser um hospital universitário, o Juliano Moreira enfrenta alguns desafios nessa questão.
“A preceptoria é formada por profissionais do [Hospital] Juliano Moreira que aceitam colaborar com a residência, com nosso aprendizado. Por isso, em relação à preceptoria, a gente perde um pouco. A COREME precisa ser ativa para ajustar a parte teórica, então, apesar de termos muitas oportunidades na prática, temos que correr mais atrás da parte teórica”, afirma.
Maíra também comenta sobre as dificuldades estruturais enfrentadas por causa da pandemia do novo coronavírus. “Os Caps e Serviços Ambulatoriais não estão funcionando como deveriam. Tem vários serviços que estão sem médico e a maioria não está aceitando pacientes novos. O paciente fica desassistido, um desafio para quem está chegando na area”.
Para Melaine, as maiores dificuldades em relação ao programaestão na carga horária e na ausência de uma emergência psiquiátrica dentro do Hupes. Além disso, para ela, o estacionamento do hospital não tem vaga suficiente para suprir as necessidades de todos os serviços.
“Tem também as questões relacionadas ao funcionamento das Unidades Públicas do SUS. Elas têm estruturas mais antigas, falta de materiais e dificuldade na realização de procedimentos e exames complementares, como Ressonância Magnética”, acrescenta.
Expectativa de trabalho e emprego
O mercado de trabalho para quem faz residência em Psiquiatria tem demanda crescente. Transtornos mentais são algumas das principais causas de atendimento de urgência no Brasil e 20% da população pode sofrer alguma enfermidade mental na vida, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Boa parte da atuação acontece de forma ambulatorial, em consultório particular, ambulatórios da rede pública ou convênios. Além disso, é possível estar em enfermarias especializadas, urgências e interconsultas. Como subespecialidades, o residente de Psiquiatria pode escolher Psicoterapia, Psicogeriatria, Medicina do Sono, Psiquiatria da infância e adolescência e Psiquiatria forense.
O valor médio do salário de um Psiquiatra é de R$ 7.148,68, com jornada de trabalho de 22 horas semanais, segundo pesquisas. Porém, o valor pode mudar conforme o tempo de experiência, a instituição de atuação e a região. Na cidade de São Paulo, os salários são, em média, de R$ 9.423,49.
Maíra diz acreditar que o mercado de trabalho em Salvador, está começando a se saturar. A procura pela especialização está alta, e há pouca oferta de vagas. Entretanto, em termos gerais, o mercado ainda está bom, de acordo com a residente.
“Só não ache que, assim que acabar a residência, vai abrir um consultório e cobrar caro por consulta. [Quem está iniciando] ainda vai precisar dar plantões que pagam bem abaixo do valor estipulado e atender muito por convênio”, ressalta.
Sobre o futuro, Maíra conta que não pretende fazer uma subespecialização por enquanto, mas já planeja servir em outras áreas.
“Quero trabalhar em enfermaria psiquiátrica e em hospital geral, além de atender em consultório. Acho que é meu perfil atender em CAPS. Mas em Salvador, do jeito que está, ainda não tenho interesse. O salário não é suficiente para a carga horária e para a alta demanda exigida”.
Melaine argumenta que o mercado da Psiquiatria está em ascensão, pois houve aumento da procura por atendimento psiquiátrico de adultos e crianças nos últimos anos.
“Na Psiquiatria, você pode seguir para área clínica, atuar em hospitais, trabalhar em empresas, realizar procedimentos como ECT e fazer subespecializações. Eu, particularmente, pretendo fazer uma subespecialização em Psiquiatria da Infância e da Adolescência, que é meu sonho desde o início”, afirma.
Conclusão sobre a rotina da residência em Psiquiatria
A residência médica em psiquiatria envolve muitos desafios. Mesmo com a carga horária e uma rotina intensa de trabalho, as residentes se dedicam para superar as dificuldades, adquirir o melhor aprendizado e aplicá-lo no tratamento dos pacientes. É uma experiência marcante na vida de qualquer médico, principalmente por lidar com os diversos casos de transtorno mental.
“Precisa ter contato, saber se tem empatia pelo paciente com transtorno mental. Se tiver, vale a pena, porque prestar assistência a um paciente que está em sofrimento, e ele melhorar, não tem preço. Adoro a frase de Hipócrates que diz: curar às vezes, aliviar algumas vezes, mas consolar sempre! Acredito que sempre podemos acrescentar algo apesar de tudo”, afirma Maíra.
Além de ser uma área fundamental para a qualidade de vida dos pacientes com transtorno mental, a Psiquiatria também se destaca pela alta demanda e, consequentemente, pela necessidade de mais profissionais qualificados.
“Acho que é uma área em crescimento, que tem muitas oportunidades de inserção no mercado e lhe permite minimizar o sofrimento das pessoas. Eu sou uma entusiasta da Psiquiatria. Acho que, na mesma proporção que você aprende sobre o outro, você aprende sobre si mesma e evolui enquanto pessoa”, conclui Melaine.

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