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A rotina do residente em Neurologia é intensa, como não poderia deixar se ser. Afinal, o neurologista é fundamental para a sociedade ao atuar no tratamento de doenças como Acidente Vascular Cerebral, Alzheimer e outras demências que causam milhares de mortes em todo o mundo.
Como mostra a Demografia Médica no Brasil 2018, do Conselho Federal de Medicina (CFM), são 5.104 neurologistas no Brasil (1,3% do total de especialidades), o que faz o país contar com 2,4 profissionais por 100 mil habitantes. A maioria (53,4%) está no Sudeste. Quando falamos em residência médica, 826 médicos cursavam Neurologia, que possui 1.100 vagas autorizadas, de acordo com o mesmo levantamento.
A residência tem acesso direto para médicos generalistas após concurso de admissão. Para falar mais sobre a rotina do residente em Neurologia, conversamos com dois médicos: Blenner Matheus, neurologista formado pelo Hospital Roberto Santos, e Camila Lobo, residente do primeiro ano de Neurologia pela Unicamp.
Blenner finalizou a residência médica em 2017. Quando prestou o concurso, o programa de Neurologia ainda era recente no Hospital Roberto Santos e estava sob análise do Ministério da Educação. Por isso, a escolha pela instituição ocorreu mais por causa da admiração que tinha pela carreira e trabalho do coordenador do programa à época, Dr. Pedro Antônio Pereira de Jesus.
A opção de Blenner por Neurologia aconteceu de forma gradual, já que sempre teve aptidão para a clínica médica e, entre as possibilidades, se interessava mais pela área neurológica.
“Quando chegou o momento de escolher, optei pelo que mais gostava. Em minha opinião, a neurologia tem enigmas e curiosidades um pouco maiores que as outras especialidades, sobretudo nas áreas clínicas”, comenta.
Seguindo um caminho diferente, Camila Lobo escolheu a Unicamp. Natural de Salvador, a residente conta que o investimento e o reconhecimento da Universidade na área de Neurologia foi um diferencial na hora de decidir.
“A Unicamp é uma das instituições mais consagradas na área da Neurologia, junto com a Unifesp e a USP. Aqui temos bons preceptores, estágio em todos os campos da neurologia, serviço completo e muita oportunidade de pesquisa”, reforça.
Optar por Neurologia foi um processo natural para Camila. Desde a metade do curso de Medicina, tinha afinidade com a área e sempre demonstrou interesse em se especializar.
“Acredito que, em grande parte, porque é uma das áreas em que o exame físico é de alto grau de especificidade. Muitas vezes damos o diagnóstico só pelo exame clínico. Também é uma área em ascensão. Muitos dizem que a neurologia tem muitos diagnósticos e pouco tratamento, mas eu acredito no oposto, porque os tratamentos estão surgindo ao longo dos anos”, explica.
Existem coisas que você não pode deixar de saber antes de escolher a residência em Neurologia. Dessa forma, veja mais detalhes abaixo e escolha bem a sua especialidade!
Como a residência é dividida
Com duração de três anos, a residência em neurologia oferece ao médico rotinas de estudos, atividades práticas e avaliações. A Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), do Ministério da Educação, define a matriz de competências da Neurologia desta maneira:
- Primeiro ano (R1): o residente deve conhecer semiologia clínica e ética médica para realizar diagnóstico e tratamento das principais emergências e urgências clínicas em pronto socorro, ambulatório, enfermaria e terapia intensiva. Também deve conhecer doenças de maior prevalência na clínica médica, assim como enfermidades sistêmicas com interface com a Neurologia;
- Segundo ano (R2): dominar neuroanatomia, neurofisiologia e semiologia neurológica para diagnóstico sindrômico, topográfico, nosológico e etiológico. Além disso, ter conhecimento verticalizado de urgências e emergências neurológicas, neurointensivismo, cefaleia, doenças cerebrovasculares e ter noções de traumatismo craniano, traumatismo raquimedular e neuroimagem;
- Terceiro ano (R3): evoluir em competências para melhor acurácia no diagnóstico sindrômico, topográfico, nosológico e etiológico. Também deve aprofundar-se em algumas subáreas do conhecimento da neurologia (cefaleia, epilepsia, doenças cerebrovasculares, doenças neuromusculares, neuroinfecção, transtornos do movimento, neuroimunologia, cognição e comportamento).
Tanto no Hospital Roberto Santos quanto na Unicamp, a maior carga horária se concentra nos dois primeiros anos, pois é o período com maior quantidade de plantões noturnos e de finais de semanas, nos quais os residentes trafegam por diversas especialidades da Neurologia.
O R1 é predominantemente de clínica médica e os residentes passam por estágios em enfermarias e pronto socorros de clínica médica, além de experiências em enfermarias de cardiologia, infectologia, semi-intensivas, ambulatórios variados de subespecialidades clínicas, psiquiatria, Unidade Básica de Saúde, entre outros.
No Hospital Roberto Santos, o R1 é marcado por uma neurologia mais teórica. De acordo com Blenner, era praticamente uma experiência idêntica ao programa de residência médica, com sessões de neurologia.
“Tínhamos os mesmos estágios de clínica médica e outras atividades como sessões clínicas, reuniões e discussões que aconteciam em paralelo com a neurologia. Eram duas sessões clínicas semanais que juntavam os preceptores, o R1, o R2 e alguns membros do R3 para aula propedêutica ou discussão de artigo e casos clínicos”, elucida.
O R2 está todo voltado para a Neurologia. Os estágios começam a se concentrar em enfermarias e pronto socorros de neurologia, neuropediatria, ambulatórios variados de subespecialidades neurológicas (neuro muscular, transtornos do movimento, epilepsia, demências, entre outros) e unidades de AVC. Tudo isso intensificado pela quantidade de plantões noturnos e de finais de semana.
Já o terceiro ano possui carga horária menor, pois a quantidade de plantões diminui. No Hospital Roberto Santos, os residentes fazem as mesmas atividades de enfermaria de neurologia, interconsulta e ambulatório, mas com a função de liderar e auxiliar o R2 .
Além disso, a carga horária reduzida permite fazer atividades mais específicas como ambulatórios especializados em neuropediatria, eletroneuromiografia e neurorradiologia.
Na Unicamp, os residentes do R3 atuam em interconsulta do hospital da Universidade, neurofisiologia (eletroencefalograma e eletroneuromiografia), ambulatórios mais específicos da neurologia (laboratório de distonias e neurogenética), neuroinfectologia no Hospital Emílio Ribas (em São Paulo), Neurorradiologia e Neurologia Vascular.
Nesse período, os residentes da Unicamp também estão aptos a fazer estágios optativos ou eletivos. “Nesses programas, você pode fazer estágios em qualquer área da Neurologia em qualquer lugar do mundo. Os preceptores têm muitos contatos internacionais e isso facilita muito”, explica Camila.
Na Unicamp, em geral, os residentes não recebem notas. Durante o R2 e R3, existem atividades como apresentação de casos clínicos e aulas sobre temas diversos da Neurologia, cujas avaliações são subjetivas. A única avaliação que tem nota é o TCC no final da residência.
Já o Hospital Roberto Santos possui quatro provas teóricas anuais e uma prova final. Nesta última, a cobrança era diferente. “Era mais um memorial da residência, uma atividade mais lúdica, falando da experiência, dos estágios e aprendizados”, lembra Blenner.
Alinhando as principais expectativas
A aptidão pela área e o desejo de se tornar neurologista geraram em Blenner e Camila expectativas antes de entrar na residência.
Para ele, a maior expectativa era de concluir o programa e sair do Hospital Roberto Santos preparado para atuar na área. O médico também destaca que pretendia ser qualificado no que a instituição melhor tinha a oferecer. “O Roberto Santos se destaca em UTI neurológica, doenças cerebrovasculares, neurointensivismo e distúrbios do movimento. Queria sair de lá sendo bom nisso, mas também queria não sair ruim nas subespecialidades que eram deficitárias, como doenças musculares, por exemplo”, revela.
Durante a residência, outras expectativas ganharam forma na vida de Blenner: ele se surpreendeu com algumas descobertas que a residência lhe proporcionou.
“Houve mudanças no pensamento. A neuropediatria, por exemplo, era uma das áreas que eu pensava em atuar anteriormente, mas não gostei. Aí, surgiram alguns estágios ao longo da residência como neurorradiologia, que eu não dominava, aprendi a gostar e me aperfeiçoei”, afirma.
Camila saiu de Salvador cheia de expectativas. Uma delas era em relação à diferença na experiência que teve em instituições na Bahia e as que estava prestes a ter em São Paulo.
“Eu achava que existiria diferença maior entre a estrutura e o nível de academicismo entre as instituições, mas a impressão que eu tenho é que não há diferença muito grande. Existem serviços muito bons na Bahia e aqui. Também achei que aqui as pessoas seriam mais sérias e os chefes seriam mais distantes dos residentes, mas eles são bem próximos e, muitas vezes, o chefe de departamento nos acompanha durante os plantões”, conta.
Os projetos de Camila não param por aí. No final do primeiro ano da residência, ela diz que já faz planos para o futuro profissional e pretende iniciar uma carreira acadêmica.
“Planejo fazer um mestrado e, posteriormente, doutorado. Aqui tem muita oportunidade para isso. Depois de terminar o R3, também quero fazer uma subespecialidade como neuroimunologia, neurologia vascular ou transtornos do movimento”, comenta.
O melhor da residência em Neurologia
Quando se trata do melhor oferecido pela residência médica em Neurologia, Camila e Brenner concordam sobre o nível de aprendizado. Blenner, inclusive, brinca ao afirmar que o treinamento consiste em 30 anos em 3.
“O melhor realmente é o ganho de conhecimento e aprendizado que não seriam obtidos se não fossem a residência. Você fica completamente inserido nos serviços, passa mais tempo em serviço que em casa”, afirma.
Perguntado sobre os diferenciais oferecidos pelo Hospital Roberto Santos, ele destaca a organização do cronograma de aulas em várias subespecialidades. “Isso é uma grande vantagem. As áreas de Neurologia Vascular, por exemplo, é muito forte e é um nível de conhecimento que não deixamos a desejar em nenhum lugar do mundo. A unidade de AVC do Hospital é a primeira do SUS no Brasil”, diz.
Camila também valoriza o aprendizado obtido ao longo da residência. Para ela, a Unicamp oferece uma estrutura diferenciada, que, além de auxiliar, força o residente a buscar soluções para os casos. “Uma grande vantagem é um pronto socorro de Neurologia de porta aberta. Temos casos sem investigação prévia que podemos investigar desde o começo. O Hospital [da Unicamp] é completo, e conseguimos completar investigação e tratamento do paciente dentro do próprio serviço”, explica.
Ao mesmo tempo, ela também destaca a quantidade de pacientes que chegam ao Hospital, o que possibilita o contato com uma variedade de casos e experiência em várias subespecialidades.
“Em um serviço só, tem grandes chefes e subespecialistas referências em cada área. O serviço de neurologia tem foco em semiologia neurológica. Com ela, podemos aprender com nossos chefes, que nos ensinam, detalhadamente, as técnicas de exame neurológicos. Inclusive, o melhor livro brasileiro em semiologia neurológica foi produzido na unicamp”, confirma.
O mais difícil
As maiores dificuldades estão na carga horária. Tanto Camila quanto Blenner relatam os desafios de se enfrentar uma rotina pesada, com muita cobrança e exaustiva.
“A carga horária é muito pesada, com muitos plantões noturnos de finais de semana. Isso é ruim porque limita a quantidade de plantões externos que podemos fazer para garantir uma renda extra”, afirma Camila.
Outra dificuldade apontada pela residente de Neurologia está relacionada à infraestrutura do Hospital. Segundo ela, a instituição, normalmente, tem cerca de 10 pacientes internados na enfermaria neurológica, quantia considerada, relativamente, pequena para o porte da Unicamp.
Além da carga horária, Blenner afirma que havia cobranças em dois pólos: interno e externo. Para ele, a autocobrança e a pressão dos preceptores eram fatores que mexiam muito com seu psicológico.
“Tem horas que a gente acha que vai quebrar. O preceptor cobrava muito em prova, em conhecimento e em desafios. E quanto mais você estuda, mais percebe que não sabe muita coisa. Tudo isso era muito difícil”, desabafa.
Expectativa de trabalho e emprego
O residente de Neurologia possui uma gama de áreas de atuação para escolher, como neurologia vascular, distúrbios de dor e de sono, neurofisiologia, epileptologia, cognição e demências e muitas outras.
O mercado de trabalho envolve plantões de emergência ou enfermarias especializadas no caso dos recém-formados. Também é possível atuar em consultórios particulares, porém eles demandam tempo para a formação de clientela. O neurologista tem remuneração média de R$ 5.779,98 para jornada de 19 horas semanais.
O professor Sanar Pablo Nascimento conta no vídeo abaixo por que escolheu ser residente de Neurologia e como foi a sua entrada no mercado de trabalho:
Conclusão sobre a rotina do residente em neurologia
A residência em Neurologia possui uma rotina carregada de aprendizados e proporciona experiências variadas no atendimento aos pacientes. A carga horária é intensa e o nível de cobrança é muito alto, o que exige do residente equilíbrio emocional para lidar com os principais desafios que ocorrem durante o treinamento.
A Neurologia exige que o residente esteja com disposição para estudar, aprender e colher os frutos de todo esforço. Trata-se de uma área desafiadora devido à complexidade de casos clínicos, ao mesmo tempo que é precisa em seus diagnósticos, já que possui exames e pesquisas científicas em ascensão, com bastante evidência objetiva.
“O que eu posso dizer é: se quiser conhecimento, conhecimento terá”, destaca Blenner.
Entre os maiores desafios da especialidade está o destaque no mercado de trabalho. A Neurologia é uma especialidade tradicionalmente concorrida, que atrai pessoas altamente capacitadas e ambiciosas. Por isso, a dedicação deve ser um dos pré-requisitos de qualquer residente nesta área.
Por fim, existe a satisfação de estar em contato com os pacientes, a serviço de sua saúde, o que torna o trabalho gratificante.
“Por se tratar de uma função nobre do ser humano, é algo que, quando conseguimos trazer melhora, vemos uma mudança extraordinária na qualidade de vida dos pacientes. Por isso, apesar de ser uma ciência relativamente difícil, é muito bonita”, finaliza Camila.
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