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É sabido que a experiência de outrem pode ajudar sanar certas angústias e incertezas. Desse modo, sabendo como a escolha da residência médica é um momento peculiar na carreira profissional do médico, conhecer um pouco da rotina do residente de Genética médica no Brasil pode auxiliar aqueles que anseiam por seguir esta especialidade.
O país, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), através da Demografia Médica 2018, possuía apenas 305 profissionais especializados em Genética médica, o que representa 0,1% dos médicos brasileiros e razão de 0,15 a cada 100.000 habitantes.
É a especialidade com menor número de profissionais e de distribuição mais irregular pelo território (o sudeste agrupa 58,7% dos profissionais, enquanto o norte mantém 1,3%).
Neste levantamento, em 2018, haviam apenas 41 médicos residentes de Genética médica, cujo programa de residência tem o ingresso por acesso direto e duração de 03 anos.
Para falar mais sobre a rotina dos residentes em Genética Médica, a Sanar conversou com duas médicas residentes: Fernanda Santana Oliveira, R2 do CHUPES – Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos ligado à Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Fabrícia Araújo Ad-Víncola, atualmente concluindo o R3 da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Fernanda conta, que assim como muitos colegas, mudou de especialidade inúmeras vezes e que isso a possibilitou pensar em várias áreas e se imaginar (ou não) em diversos cenários da prática. Acrescenta que foi essa incerteza que a fez enxergar além do óbvio.
“Na minha escola de origem, o IMIP (Faculdade Pernambucana de Saúde) em Recife-PE, há uma grande tendência para as áreas de pediatria e ginecologia/obstetrícia e foi onde tive contato com doenças raras e com a reprodução humana. Isso foi a chave para minha escolha”, relata.
Já Fabrícia, refere que buscava uma especialização cuja abordagem fosse mais ampla e dinâmica. “Escolhi a genética por ter um amplo campo de atuação. Além da variedade do público-alvo, desde fetos até idosos”, afirma.
Como a residência é dividida
Os programas, no Brasil, seguem a Matriz de Competências da Residência Médica determinada pela Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM).
Segundo Fernanda, no CHUPES o residente finaliza o R1 metade clínico e metade pediatra, pois passam 06 meses atuando nos rodízios de pediatria e 06 meses nos rodízios de clínica médica, o que inclui enfermaria e ambulatórios.
No R2, que tende a começar de forma mais intensa, amplia-se o contato com a genética, com foco na elaboração de hipóteses diagnósticas, diagnósticos diferenciais e plano de investigação em anomalias congênitas, deficiência intelectual, diagnóstico pré-natal e infertilidade, por exemplo.
Por fim, no R3 existe uma carga horária de maior dedicação a Erros Inatos do Metabolismo, neurogenética e oncogenética. É nesse último ano também que os residentes se inserem nos laboratórios, aprendendo sobre citogenética e exames moleculares.
Fernanda acrescenta que o hospital conta com ambulatórios de Genética Geral, Aconselhamento Genético, Oncogenética, Neurogenética, Erros Inatos do Metabolismo, Pré-Natal, Osteogênese Imperfeita, Distúrbios do Desenvolvimento Sexual e que atuam como suporte a outros setores do hospital na forma de interconsulta.
Além disso, o serviço conta com um polo de infusão, onde são administrados medicamentos nas doenças com tratamento disponíveis na capital baiana.
Para Fabrícia, o andamento do programa foi um pouco diferente, graças as individualidades de cada instituição. No ESCS-DF, os três anos de residência foram organizados da seguinte forma.
No R1, ocorrem estágios na pediatria geral e especialidades e em ambulatórios clínica médica, incluindo medicina de família e comunidade, além da Genética (com dismorfologia) nos ambulatórios e berçário.
Já no R2, o residente acompanha os ambulatórios de Erros Inatos do Metabolismo na Triagem Neonatal e ambulatórios específicos como Tirosinemia, Fenilcetonúria, Galactosemia, Doença de Fabry e Gaucher ou ambulatórios de dismorfologia. Acompanha ainda, a equipe multidisciplinar na medicina fetal e ambulatório de Distúrbios de Diferenciação Sexual.
Enfim, no R3 são realizados estágios nos laboratórios na citogenética, biologia molecular e ambulatórios de neurogenética, oncogenética, reprodução humana, displasia esquelética e um mês de estágio opcional.
Durante os 3 anos, o residente deve realizar 10 necropsias de óbitos perinatais com anomalias congênitas junto ao Departamento de Patologia.
Alinhando as principais expectativas
Fernanda relata que durante toda a graduação, estudou muito pouco a genética em si pois a faculdade em que se formou não tinha a cadeira de forma obrigatória (da mesma forma que a grande maioria das faculdades hoje). “Essa grande dúvida de qual especialidade seguir fez com que eu pesquisasse sobre todas as especialidades existentes e assim descobri a Genética Médica. Logo me encantei, pois se encaixava em várias áreas que eu já tinha interesse”, confessa.
Fabrícia, por sua vez, relata que conheceu a especialidade durante o internato, se interessou, pesquisou a ementa do programa de residência e logo se decidiu. “Minhas expectativas eram as melhores diante de uma especialidade nova, com poucos profissionais da área e em grande expansão de conhecimento e técnicas no mundo”, desabafou.
As duas concordam e ressaltam que a dinamicidade oferecida pela genética médica é um dos grandes diferenciais que a motivaram seguir na área. “Sinto que estou no caminho certo. Sempre busquei uma especialidade ambulatorial (sem plantões!) e que me permitisse atender todas as faixas etárias, com um dia-a-dia que me presenteasse com a troca médico/paciente. E a genética se encaixa perfeitamente nisso!”, afirma Fernanda.
O melhor da residência em Genética médica
Quando questionadas acerca das potencialidades da genética médica, ambas são sucintas na resposta: 1) campo de atuação diverso e 2) rotina dinâmica.
“Na genética não temos espaço para o tédio. Todo dia surgem casos inéditos e que estimulam nossa busca por um diagnóstico. Brincamos um pouco de Sherlock Holmes e a cada resposta para aquele caso, até então sem diagnóstico, é uma vitória para nós e principalmente, para o paciente e sua família”, diverte-se Fernanda contando sobre a rotina da residência.
Para Fabrícia, “o melhor da genética é ter vários campos de atuação. Eu sempre gostei de várias áreas da medicina e a genética me permite isso. Além de poder atender crianças, gestantes, idosos e adultos. Isso torna a especialidade muito dinâmica”.
O mais difícil
Por ser uma especialidade nova e em atualização, muitas vezes, o diagnóstico fica impossibilitado, seja por escassez de recursos no serviço público (SUS) e/ou custos elevados no setor privado, seja por limitações das técnicas diagnósticas disponíveis ou por ausência de um tratamento efetivo já que a maioria das doenças não possuem cura conhecida e os tratamentos específicos são raros.
Apesar desses empecilhos, ambas têm buscado formas de lidar bem com isso e dar o melhor de si em prol do paciente. Fernanda conta que tem aprendido a encarar essas questões como um desafio e trazer a família do paciente para junto da equipe médica.
Segundo ela, isso a faz acreditar que são um time. “Aprendi a não me desmotivar em um caso sem diagnóstico, pelo contrário, aprendi a dizer ao paciente: ‘Ainda não tenho a resposta, mas estamos juntos buscando-a’”, reconforta-se.
Para Fabrícia, “a limitação trazida pela dificuldade de realização dos exames diagnósticos nos leva ao aprimoramento do diagnóstico clínico, ou seja, realizar uma boa anamnese, exame físico completo, heredograma e história familiar, para que se possa elaborar uma boa hipótese diagnóstica para o paciente e sua família”, relata.
Expectativa de trabalho e emprego
Com relação ao futuro profissional e mercado de trabalho, as duas mostram-se otimistas. Fabrícia pontua a carência de profissionais no mercado brasileiro e o fato de alguns estados brasileiros não possuírem nenhum geneticista em atuação, na atualidade.
Falar em retorno financeiro é uma esfera delicada, uma vez que é muito variável e depende da área que o especialista optar seguir. De todo modo, Fernanda lembra que por se tratar de uma especialidade ambulatorial, o especialista em genética médica não fatura com procedimentos.
“Todos os meus R+ (residentes já estavam no programa antes de minha chegada) já saíram da residência empregados. A cada dia que passa mais tem se falado sobre genética, testes genéticos, terapia gênica.. Estamos falando de avanço e de futuro dentro de uma área que integra todas as outras. Hoje, recebo encaminhamentos de pacientes de todas as especialidades, da ortopedia à oftalmologia. Minhas expectativas são as melhores, visto que o campo é bem variado podendo atuar no SUS, consultório privado, laboratório, centros de oncologia e reprodução humana, programas de triagem neonatal, pesquisa científica”, explica Fernanda.
Subespecialidades
Questionadas acerca do futuro profissional dentro da genética médica, ambas relatam que desejam se subespecializar. “Tenho uma predileção declarada pela medicina reprodutiva. Atender aos casais com perdas gestacionais ou infertilidade e poder colocar esperança e possibilidade em um lugar que só existia frustração é gratificante”, comenta Fernanda.
Já Fabrícia refere que futuramente pretende fazer especialização em Oncogenética. “Trata-se de uma área em grande crescimento e é preciso estar sempre se atualizando”.
Conclusão sobre a rotina do residente em Genética médica
A rotina do residente em Genética médica, como qualquer outra especialização, oferece algumas dificuldades. A carga horária extenuante é a principal delas, o que exige resiliência do residente.
Além disso, são anos de muitas cobranças, inseguranças e muito estudo (o que não muda depois de especialista!). Entretanto, a parte difícil não é suficiente para suprimir as vantagens de uma especialização tão necessária quanto essa.
Fabrícia faz questão de ressaltar que a formação do médico geneticista é de suma importância na atualidade, pois é ele quem faz o diagnóstico e o manejo das doenças geneticamente determinadas. É este profissional que realiza o aconselhamento genético, proporcionando orientações aos pacientes e seus familiares sobre a doença, sua herança genética e risco de recorrência, além de sua evolução e prognóstico.
Ele apoia a família para que sejam tomadas decisões conscientes sobre o acompanhamento e também tratamento do paciente quando possível. Ele indica e interpreta corretamente os exames genéticos e interage com os outros profissionais de saúde para que o paciente possa ser assistido de maneira integral.
Fernanda acrescenta, que dada a ínfima quantidade de geneticistas no cenário nacional, atualmente a especialidade precisa de mais pessoas que fujam do óbvio, que abracem as doenças raras e que dê voz a elas. Segundo ela, quanto mais uma doença rara for conhecida mais diagnósticos serão feitos.
“Muitos me perguntam: ‘mas por que o diagnóstico de uma doença que não tem cura?’. Eu costumo responder: ‘nem tudo é sobre cura mas muito é sobre cuidado e manejo, acompanhar o paciente de perto, saber como evoluem os pacientes com a mesma condição, prevenir o aparecimento de complicações, diminuir a ansiedade quanto ao diagnóstico, poder criar possibilidades para a expansão da família com aconselhamento pré-natal, evitar recorrência, dar diagnóstico precoce a outros membros familiares… Viu? A cura vem fantasiada de várias formas’”, desabafa Fernanda.
Incentivo
As entrevistadas, mostram-se extremamente satisfeitas com o andamento de sua formação profissional. Não apenas incentivam o ingresso em programas de residência em genética médica, como lhe convidam a fazê-lo.
“A investigação é nossa principal atuação e para isso é necessário ser curioso e atento. É preciso estar sempre buscando se atualizar, já que estamos falando de doenças raras e a todo modo momento novas condições estão sendo reconhecidas. Muitas vezes o caminho é longo e se você gosta de coisas práticas e muita resolutividade, talvez não se encaixe. Porém, se gosta de trabalhar junto com outras especialidades e se o desafio te motiva, vem descobrir esse mundo novo que vai permitir dar às famílias que antes estavam perdidas no sistema de saúde, um novo cenário”, encoraja Fernanda.
“A residência de Genética médica é bastante dinâmica, faz interface com diversas áreas da medicina e nos exige constantes estudos, leituras, atualizações e desafios diagnósticos diários. Se você gosta disso na sua rotina, será muito bem vindo (a)!”, conclui entusiasmadamente Fabrícia.
Caso tenha ficado alguma dúvida, Fernanda e Fabrícia se colocaram a disposição para sanar, basta contatá-las nos canais de comunicação disponibilizados por elas:
Fernanda:
- Instagram: @nandaoliveiraa
- E-mail: fernandasoliveir@gmail.com
Fabrícia:
- Instagram: @fabriciadvincola
- E-mail: fabriciadvincola@hotmail.com
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